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Mostrando postagens de fevereiro, 2007
Alberto Caeiro (...) Assim tudo o que existe, simplesmente existe. O resto é uma espécie de sono que temos, Uma velhice que nos acompanha desde a infância da doença.
Grude Elisa Lucinda As noites que não são contigo eu não exatamente durmo, eu rolo. Você não há não há desenrolar de coxas, colchas e entremeios. Não há dobrar de joelhos se não para rezar. Então semeio uma concórdia de lençóis uma não solidão de cafunés nos cangotes uma não masturbação. Adormeço Você é o cheiro que ficou de nós eu respiro pós dos sonhos eu latejo eu planejo eu oro. As noites que não são contigo, eu não exatamente durmo, eu enrolo.
Canção Cecília Meireles Pus o meu sonho num navio e o navio em cima do mar; - depois, abri o mar com as mãos, para o meu sonho naufragar Minhas mãos ainda estão molhadas do azul das ondas entreabertas, e a cor que escorre de meus dedos colore as areias desertas. O vento vem vindo de longe, a noite se curva de frio; debaixo da água vai morrendo meu sonho, dentro de um navio... Chorarei quanto for preciso, para fazer com que o mar cresça, e o meu navio chegue ao fundo e o meu sonho desapareça. Depois, tudo estará perfeito; praia lisa, águas ordenadas, meus olhos secos como pedras e as minhas duas mãos quebradas.
Circulou naqueles e-mail enjoados como se fosse do Drummond, mas é do Arthur da Távola. Acho alguns trechos bem chatinhos, mas resolvi publicar aqui os que acho mais legais. . Ter ou não ter namorado Arthur da Távola Quem não tem namorado é alguém que tirou férias de si mesmo. Namorado é a mais difícil das conquistas. Difícil porque namorado de verdade é muito raro. Necessita de adivinhação, de pele, de saliva, de lágrima, nuvem, quindim, brisa ou filosofia. Paquera, gabiriu, flerte, caso, transa, envolvimento, até paixão é fácil. Mas namorado mesmo, é muito difícil. Namorado não precisa ser o mais bonito, mas aquele a quem se quer proteger e quando se chega ao lado dele a gente treme, sua frio e quase desmaia pedindo proteção. A proteção não precisa ser parruda, decidida, ou bandoleira; basta um olhar de compreensão ou mesmo aflição. Quem não tem namorado não é quem não tem amor: é quem não sabe o gosto de namorar. Se você tem três pretendentes, dois paqueras, um envolvimento, e dois
Retrato Arthur da Távola A dolorosa e lenta refeição do velho. Sopas e papas insepultas voracidade morta l assa obrigação de alimentar. Saliva é cuspe o cuspe é baba na dócil refeição do velho. A lentidão exasperante de quem come para não morrer e morrerá porém. Só. A dolorosa e benta refeição do velho. A carne insulta-lhe a indecisão do dente, dor e cansaço no deglutir. Tudo é torpor ou gole na fome sem sabor da refeição do velho.
Balada dos Casais Affonso Romano de Sant’Anna Os casais são tão iguais, por isto se casam e anunciam nos jornais. Os casais são tão iguais, por isto se beijam fazem filhos, se separam prometendo não se casarem jamais. Os casais são tão iguais que além de trocar fraldas, tirar fotos, acabam se tornando avós e pais. Os casais são tão iguais que se amam e se insultam e se matam na realidade e nos filmes policiais. Os casais são tão iguais que embora jurem um ao outro amor eterno sempre querem mais.
Adélia Prado As galinhas com susto abrem o bico E param daquele jeito imóvel - ia dizer imoral - as barbelas e as cristas envermelhadas, só as artérias palpitando no pescoço. Uma mulher espantada com sexo : mas gostando muito.
Amor Feinho Adélia Prado Eu quero amor feinho. Amor feinho não olha um pro outro. Uma vez encontrado, é igual fé, não teologa mais. Duro de forte, o amor feinho é magro, doido por sexo e filhos tem os quantos haja. Tudo que não fala, faz. Planta beijo de três cores ao redor da casa e saudade roxa e branca, da comum e da dobrada. Amor feinho é bom porque não fica velho. Cuida do essencial; o que brilha nos olhos é o que é: eu sou homem você é mulher. Amor feinho não tem ilusão, o que ele tem é esperança: eu quero amor feinho.
Lá fora Ana C. Cesar há um amor que entra de férias. Há um embaçamento de minhas agulhas nítidas diante dessa boca bisca de mulher. Há um placar visível em altas horas, pela persiana deste hotel, fatal, que diz: fiado, só depois de amanhã e olhe lá onde a minha lâmina cortante, sofrendo de súbita cegueira noturna, pendura a conta e não corta mais, suspendendo seu pêndulo de Nietzsche ou Poe por um nada que pisca e tira folga e sai afiado para a rua como um ato falho deixando as chaves soltas em cima do balcão.
Diário de Bugrinha (Excertos) 22.1.1925 - O nome de um passarinho que vive no cisco é joão­ninguém. Ele parece com Bernardo. 23.2 - Lagartixas têm odor verde. 2.3 - Formiga é um ser tão pequeno que não agüenta nem neblina. Bernardo me ensinou: Para infantilizar formigas é só pingar um pouquinho de água no coração delas. Achei fácil. 2.3 - Quem ama exerce Deus — a mãe disse. Uma açucena me ama. Uma açucena exerce Deus? 2.3 - Eu queria crescer pra passarinho... 5.3 - A voz de meu avô arfa. Estava com um livro debaixo dos olhos. Vô! o livro está de cabeça pra baixo. Estou deslendo. 5.6 - O frio se encolheu nos passarinhos. Ó noite congelada de jacintos! Eu estou transida de pétalas. 7.8 - O pai trouxe do campo um filhote de urubu. Ele é branco e já fede. 12.8 - As garças descem nos brejos que nem brisas. Todas as manhãs. 10.9 - Um sapo feneceu 3 borboletas de uma vez atrás de casa. Ele fazia uma estultícia? 13.9 - A mãe bateu no Mano Preto. Falou que eu não apanhava porque não dei motivo.
Vinícius de Moraes A maior solidão é a do ser que não ama. A maior solidão é a dor do ser que se ausenta, que se defende, que se fecha, que se recusa a participar da vida humana. A maior solidão é a do homem encerrado em si mesmo, no absoluto de si mesmo, o que não dá a quem pede o que ele pode dar de amor, de amizade, de socorro. O maior solitário é o que tem medo de amar, o que tem medo de ferir e ferir-se, o ser casto da mulher, do amigo, do povo, do mundo. Esse queima como uma lâmpada triste, cujo reflexo entristece também tudo em torno. Ele é a angústia do mundo que o reflete. Ele é o que se recusa às verdadeiras fontes de emoção, as que são o patrimônio de todos, e, encerrado em seu duro privilégio, semeia pedras do alto de sua fria e desolada torre.
Acreditei que se amasse de novo esqueceria outros pelo menos três ou quatro rostos que amei Num delírio de arquivística organizei a memória em alfabetos como quem conta carneiros e amansa no entanto flanco aberto não esqueço e amo em ti os outros rostos Ana C. César
Corridinho Adélia Prado O amor quer abraçar e não pode. A multidão em volta, com seus olhos cediços, põe caco de vidro no muro para o amor desistir. O amor usa o correio, o correio trapaceia, a carta não chega, o amor fica sem saber se é ou não é. O amor pega o cavalo, desembarca do trem, chega na porta cansado de tanto caminhar a pé. Fala a palavra açucena, pede água, bebe café, dorme na sua presença, chupa bala de hortelã. Tudo manha, tudo truque, engenho: é descuidar, o amor te pega, te come, te molha todo. Mas água o amor não é.
O olhar doce e safado que vem lá de baixo Xico Sá. Nada como aquela olhadinha que ela dá quando lá embaixo. Ainda e pra sempre, da série “detalhes tão pequenos de nós dois”. A vida se resume a observar, microscópio de eros, rei roberto e nelson, a mulher e o seu drama. Nada como aquela olhadela, sobrancelhas assanhadas, mirando lá de nossos países baixos cá para cima do nosso cocuruto alumbrado. Tão lindamente sacana, ah, que nega a minha nega, derreto-me como manteiga! Ela quer saber se estou gostando, claro que estou mortinho ali no pré-gozo. Tem um orgulho, “vê como faço bem feito e com gosto”, ali naquela olhadinha plongé, contra-plongé, depende de quem vê... Como eu gosto, ela diz, posso? Aperto com força os seus cabelos, resvalando numa fração de segundo para um carinho no rosto, lado esquerdo, com o lado B da mão e dedos, quiromancia e mistérios. Ela desce lá naquele cantinho fronteiriço, desenha a história do olho com riscos da língua em círculos, lambe a última costura da minh
Fascínio Affonso Romano de Sant’Anna Casado, continuo a achar as mulheres irresistíveis. Não deveria, dizem. Me esforço. Aliás, já nem me esforço. Abertamente me ponho a admirá-las. Não estou traindo ninguém, advirto. Como pode o amor trair o amor? Amar o amor num outro amor é um ritual que, amante, me permito.
Baile de formatura Aldir Blanc (...) Você mudou, noite e dia, mudou suave e adoravelmente, e ainda tem os mesmos olhos, olhos de mulher apaixonada, olhos de Malu Mader, e agora, por causa de você, por tudo que você é, eu posso finalmente sonhar que durante todo esse tempo você não flertou com ninguém, e que olha só para mim, meu amor, meu par.
Poema esquisito Adélia Prado Dói-me a cabeça aos trinta e nove anos. Não é hábito. É rarissimamente que ela dói. Ninguém tem culpa. Meu pai, minha mãe descansaram seus fardos, Não existe mais o modo De eles terem seus olhos sobre mim. Mãe, ô mãe, ô pai, meu pai. Onde estão escondidos? É dentro de mim que eles estão. Não fiz mausoléu pra eles, pus os dois no chão. Nasceu lá, porque quis, um pé de saudade roxa, Que abunda nos cemitérios. Quem plantou foi o vento, a água da chuva. Quem vai matar é o sol. Passou finados não fui lá, aniversário também não. Pra que, se pra chorar qualquer lugar me cabe? É de tanto lembrá-los que eu não vou. ôôôô pai ôôôô mãe Dentro de mim elas respondem Tenazes e duros, porque o zelo do espírito é sem meiguices: ôôôôi fia.
Melhor que a música, só ele cantando pertinho, tentando acertar a letra porque eu digo que ela diz tudo que ele é pra mim. Re-paixão desde ontem, aqui. O meu amor Chico Buarque O meu amor tem um jeito manso que é só seu E que me deixa louca quando me beija a boca A minha pele toda fica arrepiada E me beija com calma e fundo Até minh'alma se sentir beijada O meu amor tem um jeito manso que é só seu Que rouba os meus sentidos, viola os meus ouvidos Com tantos segredos lindos e indecentes Depois brinca comigo, ri do meu umbigo E me crava os dentes Eu sou sua menina, viu? E ele é o meu rapaz Meu corpo é testemunha do bem que ele me faz O meu amor tem um jeito manso que é só seu De me deixar maluca quando me roça a nuca E quase me machuca com a barba mal feita E de pousar as coxas entre as minhas coxas Quando ele se deita O meu amor tem um jeito manso que é só seu De me fazer rodeios, de me beijar os seios Me beijar o ventre e me deixar em brasa Desfruta do meu corpo como se o meu corpo
CPI do amor e do sexo Xico Sá. Uma amiga entrou na caixa postal do correio eletrônico do marido. Um desastre. Entre cantadas e semi-cantadas ou apenas bobagens virtuais, entrou em desespero, gritou, berrou, discutiu a relação por uma semana, e quase acaba com aquela vida sob o mesmo teto até então reconhecida no seu grupo de amizade como exemplar. O marido tinha algum caso para valer? Não. Algum namorico mais a sério? Nada. Havia transado com alguém e comentava que foi bom? Nécaras. Tudo espuma flutuante e virtual, sem lastro de verdade. Mas foi o bastante para uma baita crise. Por estas e por outras é que não é nada recomendável quebrar o sigilo postal do companheiro ou da fofolete que te aquece neste inverno. Ora, quem, entre nós, resistiria a meia hora de quebra do sigilo amoroso ou sexual? Como na arrecadação de recursos para campanhas eleitorais, todo mundo, até mesmo no mais escondido dos conventos de devotas beneditinas, já teve o seu “caixa 2” do desejo. Em pensamentos, atos ou
Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la. Em um cofre não se guarda coisa alguma. Em cofre perde-se a coisa à vista. Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado. Guardar uma coisa é vigiá-la, isto é, fazer vigília por ela, isto é, velar por ela, isto é, estar acordado por ela, isto é, estar por ela ou ser por ela. Por isso melhor se guarda o vôo de um pássaro Do que um pássaro sem vôos. Por isso se escreve, por isso se diz, por isso se publica, por isso se declara e declama um poema: Para guardá-lo: Para que ele, por sua vez, guarde o que guarda: Guarde o que quer que guarda um poema: Por isso o lance do poema: Por guardar-se o que se quer guardar. [antônio cícero]