Fernando Pessoa Num meio-dia de fim de primavera, Eu tive um sonho como uma fotografia. Eu vi Jesus Cristo descer à Terra. Ele veio pela encosta de um monte, Mas era outra vez menino, A correr e a rolar-se pela erva, A arrancar flores para deitar fora, E a rir de modo a ouvir-se de longe. Ele tinha fugido do céu, Era nosso demais para fingir-se De segunda pessoa da trindade. Num dia que Deus estava dormindo, E o Espírito Santo andava a voar, Ele foi até a caixa dos milagres e roubou três: Com o primeiro, Ele fez com que ninguém soubesse que ele tinha fugido; Com o segundo, Ele se criou eternamente humano e menino; E com o terceiro, Ele criou um cristo eternamente na cruz, E deixou-o pregado na cruz que há no céu, E que serve de modelo às outras. Depois ele fugiu para o sol, E desceu pelo primeiro raio que apanhou. Hoje ele vive na minha aldeia comigo. É uma criança bonita, de riso natural, Limpa o nariz com o braço direito, Chapinha nas poças d'água, Colhe as flores, gosta delas, e