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Vicente e Mariana
Fabrício Carpinejar

Meus filhos não são impossíveis, eles me tornam possível.
Há segredos de Mariana que Vicente sabe, há segredos do Vicente que Mariana sabe. Não sei de nenhum dos segredos e não sinto falta. Eles se bastam.
Sou pai e meu trabalho é fazer com que eles se defendam de mim, inclusive de minha paixão por eles, que não é pouco.
Mariana tem 16 anos e fica uma criança ao lado do caçula. O caçula tem 8 anos e fica um adolescente ao lado de sua mana. Trocam as fases com facilidade. Eles me enganam com suas frases espirituosas.
A árvore tem frutos para poder voar. Temos idades diferentes para não morrer.
Mariana decidiu pintar o cabelo de vermelho. Vulcânico. Vicente decidiu que seu cabelo irá crescer. Vendaval. Uma atitude é ligada à outra. Complicado definir quem segue o exemplo de quem. Eles dividem um quarto virtual, o blog, radiomilpontozero.blogspot.com, para trocar suas canções prediletas.
Mariana toca violão, Vicente é que dirige seus videoclipes. Quando estão juntos nas férias, atravessam a noite conversando. Eu finjo que estou dormindo. Não vou atrapalhar se não há escola. Estou errado, mas é um erro emocionado.
Vicente me explicou como fazer para interromper a tristeza da Mariana. "Conversa sobre signos com ela, pai". Ele decorou os horóscopos para dar colo às suas dores.
Mariana me explicou como distrair o choro do Vicente. "Fale sobre as raças de cachorros, pai." Mariana estudou a fundo os pedigrees para passear com a angústia do menino.
Ambos me chamam de "Pánceps". Tento fazer barriga para honrar o apelido.
Eles guardam uma mãe em comum, apesar das mães diferentes: a amizade.
Fácil identificar quando os filhos se amam. No momento em que aprontam. A bagunça detém o mistério da cumplicidade.
Não se entregam, nunca se denunciam. Não importa a pressão. São leais no tropeço. Não consigo ficar brabo. Estou errado de novo. Deliciado com o improviso, ouço um completar a história mais maluca do outro.
Num dia de palestra, eles ficaram com a avó. Meia-noite e recebo a ligação materna, incapaz de controlar a felicidade dos dois.
- Eles não me respeitam. O Vicente está com um abajur na cabeça fingindo que teve ideias geniais.
- O que , vó?
- Isso, ele falou que a eternidade não dorme.
- Depois a gente se fala, tá?
Meia-noite e meia e Vicente me liga.
- A gente só estava brincando.
- Precisam respeitar a avô?
- Tá, mas posso te contar....
Meia-noite e quarenta e Mariana me chama.
- Não foi bem assim.
- Mari, não força a barra. Cuida da avó que está velha.
- Tudo bem, mas não é justo. Posso te contar....
- Ok, mas desliga a cabeça do Vicente, por favor!
Repetiram exatamente a mesma versão. Igual até nos engasgos. Não sou bobo, aquilo que é ensaiado é mentira. Mas eles não escondem a verdade, protegem e cuidam da verdade melhor do que eu. Um dia vão me devolver.

Comentários

Lukas M. disse…
Oiiii...

Sou super novo nesse mundo dos blogs, tenho um amigo que adora ler o seu... por isso vou te seguir, tdo bem? bjus

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Sex and the city . Nunca vi - nunca mesmo - e não gostei. Acho deprimente o bando de mulheres na faixa dos trinta (vejam bem: não estou falando de adolescentes!) que acreditam que Nova York é aqui, que se sentem modernetes porque lêem Nova (audácia!), que fazem tratados sobre o significado oculto do comportamento masculino e que - esta é a cereja do bolo - anunciam numa mesa de bar: "nossa, eu sou muito a Carrie" ou qualquer uma das personagens caricatas do seriado. É só um programinha de TV, meninas. De outro país, outra cultura, sobre mulheres que têm roupas e depressões fashion-bacaninhas (não, não precisa ter assistido pra saber do que se trata). Pelo amor de Deus. E depois a gente é obrigada a escutar que falta "homem interessante" no mundo.
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