Pular para o conteúdo principal
O único lugar pra sempre
Tati Bernardi

(...)
Me peguei uma hora, olhando você andar, tão feinho, seu ombro encolheu um pouco, cada dia que passa mais e mais é uma concha o que você se torna. Dessas que é mentira a pérola e o som do mar, mas eu os vejo, o tempo todo. Você andando desse seu jeito meio de louco, que chacoalha a cabeça. E se veste mal quando pouco se importa, eu sei, eu entendi. E a manga suja de café. A roupa bege da cor de tudo que é você. Você é tão errado e cheio de estragos. E me peguei olhando pra tudo isso e amando tanto, tanto, tanto. Como se nada mais no mundo fosse tão bonito ou correto ou mesmo perfeito porque perfeito é o que não tem mesmo cabimento. O resto nem existe porque vemos ou explicamos.
Na sua varanda sem céu, certa vez, você se sentou naquela cadeira sem fundo. Me colocou no seu colo e me deu o abraço que disparava corações em mim como se eu tivesse um em cada nó de veia. E me disse, com sua voz tão bonita, a mais bonita que eu já ouvi, que eu tinha subido todos os seus andares. Eu entendi que você era o homem da cobertura de aço e eu uma espécie rara de passarinho que tinha algum tipo de chave que se autodestruiria em poucos segundos. E eu entendi também que agora que tinha chegado ali, só me restava pular, já que ninguém aguenta o alto tão alto muito tempo. A vertigem que era o nosso amor. Minhas olheiras, meu cansaço, meus quarenta e dois quilos. Eu poderia morrer porque você tinha uma carninha mais mole atrás da sua orelha direita e isso me impossibilitava, dia após dia, que eu vivesse sem sentir você o tempo todo. Mas quem é mesmo que morre dessas coisas? Não, não podemos, com tanta coisa pra fazer, os meninos de dez a vinte dias, os bares, e almoços, o Pilates, a dança, os empregos, escrever, tudo isso que é minha vida antes e depois de você. Tudo isso que daqui a pouco, quando a sensação desgraçada de absurdo e solidão passar, tudo isso volta, se acomoda, a agenda mágica, o gostosinho no peito, esquecer você todo dia um pouco pra vida e todo dia muito pro dia. Mas agora, hoje, guarda isso, eu amo demais você. Por que escrevo? Porque é a minha vingança contra todas as palavras e sensações que morrem todos os dias mostrando pra gente que nada vale de nada. Toma esse texto, o único lugar seguro e eterno pra gente.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Sex and the city . Nunca vi - nunca mesmo - e não gostei. Acho deprimente o bando de mulheres na faixa dos trinta (vejam bem: não estou falando de adolescentes!) que acreditam que Nova York é aqui, que se sentem modernetes porque lêem Nova (audácia!), que fazem tratados sobre o significado oculto do comportamento masculino e que - esta é a cereja do bolo - anunciam numa mesa de bar: "nossa, eu sou muito a Carrie" ou qualquer uma das personagens caricatas do seriado. É só um programinha de TV, meninas. De outro país, outra cultura, sobre mulheres que têm roupas e depressões fashion-bacaninhas (não, não precisa ter assistido pra saber do que se trata). Pelo amor de Deus. E depois a gente é obrigada a escutar que falta "homem interessante" no mundo.
"Porque a cabeça da gente é uma só, e as coisas que há e que estão para haver são demais de muitas, muito maiores diferentes, e a gente tem de necessitar de aumentar a cabeça, para o total". Tem Lacan pra estudar, mas G. Rosa não tá deixando.
Ganhei um presentão . Nenhuma data especial. Presente de amigo, mesmo. Muitos corações, Nando. Que bom que eu conheci você. E q ue bom que as coisas andam tão certas nesta vida tão doida.