Pular para o conteúdo principal
Campanha permanente pela volta do cafuné
Xico Sá

Dos dengos femininos, ou historicamente femininos, o que mais nos faz falta, é o cafuné. Nos dias avexados de hoje, não há mais tempo nem devoção para os delicados estalinhos no cocoruto do mancebo. Pela volta imediata do mais nobre dos gestos de carinho e delicadeza. Nem que seja pago, como o sexo das belas raparigas dos lupanares, mas que devolvam vossas mãos às nossas cabeças.
Pela criação imediata da Casa de Cafunés Gilberto Freyre, como me propõe, em sociedade, a amiga Maria Eduarda Risoflora Belém. Ótima idéia a ser espalhada por todo o país. Milhares de casas, guichês, varandas, redes debaixo de coqueiros, sofás na rua... Tudo a serviço dos breves e deliciosos estalinhos dos dedos das moças.
Gilberto Freyre era um entusiasta do cafuné e a ele dedicou páginas e páginas. GF, aliás, escrevia como quem dá cafuné, prosa mole, ritmo dos mais sensoriais. Como também assenta palavras outro Freire, sem o estilingue do Y, o Marcelino de “Contos Negreiros”.
Que machos & fêmeas sejam treinados, em um programa social de emergência, para reaprenderem o hábito do cafuné.
Melhor: que seja feita uma campanha de saúde pública. Ah, quantas doenças de fundo nervoso seriam evitadas, quantos barracos de casais seriam esquecidos, quantos juízos agoniados seriam libertos!
Sem se falar no erotismo que desperta o dengo, como anotou outro sociólogo, o francês Roger Bastide, no seu belo ensaio “Psicanálise do Cafuné”. Pura libido.
Delícia de se sentir; beleza de se ver. O cafuné de uma mulher em outra, ave palavra!, puro cinema, para além muito além do lesbian chic.
Como era comum, na leseira de fim de tarde, nos quintais e nas calçadas.
Ao luar, então, sertões e agrestes adentro, era puro filme de Kurosawa. O resto era silêncio.
Ai que preguiça boa danada, ai que arrepio no cangote, quero de volta meus cafunés.
Viver de brisa, como na receita de Bandeira, numa rede na rua da Aurora, sob a graça dos dedos de uma morena jambo ou de uma morena caldo-de-feijão.
Como pode uma criatura, como esses rapazes de hoje, passarem pela vida sem provar do êxtase de um cafuné
Pela obrigatoriedade do cafuné nos recreios escolares, nas missas, nos cultos, nos intervalos dos jogos de qualquer esporte.
Não é possível que se condene toda uma geração a viver sem cafuné. Eis uma questão de segurança nacional. Tão importante como aprender a assinar o próprio nome. O cafuné, aliás, é a assinatura em linda e barroca caligrafia de mulher.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Sex and the city . Nunca vi - nunca mesmo - e não gostei. Acho deprimente o bando de mulheres na faixa dos trinta (vejam bem: não estou falando de adolescentes!) que acreditam que Nova York é aqui, que se sentem modernetes porque lêem Nova (audácia!), que fazem tratados sobre o significado oculto do comportamento masculino e que - esta é a cereja do bolo - anunciam numa mesa de bar: "nossa, eu sou muito a Carrie" ou qualquer uma das personagens caricatas do seriado. É só um programinha de TV, meninas. De outro país, outra cultura, sobre mulheres que têm roupas e depressões fashion-bacaninhas (não, não precisa ter assistido pra saber do que se trata). Pelo amor de Deus. E depois a gente é obrigada a escutar que falta "homem interessante" no mundo.
"Porque a cabeça da gente é uma só, e as coisas que há e que estão para haver são demais de muitas, muito maiores diferentes, e a gente tem de necessitar de aumentar a cabeça, para o total". Tem Lacan pra estudar, mas G. Rosa não tá deixando.
Ganhei um presentão . Nenhuma data especial. Presente de amigo, mesmo. Muitos corações, Nando. Que bom que eu conheci você. E q ue bom que as coisas andam tão certas nesta vida tão doida.