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Ela não usa mais o anel
Inácio de Loyola Brandão

O Supremo vazio, o garçom disse que ele podia escolher a mesa. Sentou-se no meio do restaurante, em um lugar que normalmente ninguém escolheria. Pediu meia cerveja e provolone à milanesa para esperar. Ela tinha dito que ia demorar. Mesmo que não tivesse avisado, sabia que ela não chegaria na hora.
Não que se importasse com pontualidade. O ruim era controlar a ansiedade, queria logo vê-la. De caixas invisíveis vinha o som de uma canção suave.
Música lounge. Estava na moda. Ninguém mais pode viver sem um som, não bastam os barulhos que temos à nossa volta. Ela chegou, não sorriu. Não parecia de mau humor, apenas não sorriu, como sempre fazia quando se viam.
- Está tão deserto! Deprimente.
- Deve ser os jogos da copa.
- Os jogos são de madrugada.
- As pessoas vêem, à noite, assistem ao jogo...
Ele não sabia o que dizer, ficava com a boca seca, desconcertado.
- Por que viemos aqui?
- Aqui começou.
- E nesta mesa! Por que insiste?
- Não estou insistindo em nada. Esta mesa, outra. Que diferença faz?
- Você sabe.
- Foi instintivo. Sem querer.
- É sempre sem querer, querendo. Sabe que é ruim para mim. Dói.
Ela também pediu cerveja, recusou o queijo, estava fazendo regime.
- Faz uma semana que estou tomando sopas. São horríveis, mas estou gorda demais.
- Nem um pouco, você é que pensa!
- Não estou cabendo em nenhuma roupa.
- Olhando assim, não parece.
- Faz tempo que você não me vê nua. Se te mostrasse a barriga! Um horror!
Fui à praia, fiquei sentada ao sol. Quando me levantei, vi que estava toda listada, a barriga tinha pequenas dobras, o sol queimou por fora delas.
- Não exagera!
- Quando não entro em nenhuma roupa, fico deprimida. Aliás, penso em fazer uma pequena lipo. Para tirar um pouco do traseiro, também.
- Nem fale em lipo. Viu o que anda acontecendo? As calamidades dos plásticos?
- Não exagere. Tem plásticos e plásticos.
- Estou usando nosso perfume, percebeu?
- Não... E não é mais nosso perfume... é o seu...
Claro - ele pensou - que ela tinha percebido, afinal ele tinha se encharcado. Era dura na queda. Olhou para as mãos dela. Um sinal. Estava sem o anel, presente de aniversário, um ano atrás. Ela tinha escolhido, ele mandara fazer. Tinha ficado pronto no dia do aniversário, à noite, precisara sair correndo, não encontrara táxi, o carro estava no rodízio, caminhara quadras e quadras, chegara suando, fazia calor. Mas quando entregou, valeu a pena, ela colocou na hora, nunca mais tirou. Agora, não estava lá. Mas não podia perguntar, ela ia sorrir, perguntar: "Tenho motivo para usar?"
Ele entregou o pequeno pacote.
- Um novo volume da coleção policial.
- Sabia?
- Vi na livraria quando vinha para cá. Quando dei com o pacote sobre a mesa, entendi. Você continua previsível.
- É policial. De autor brasileiro.
- Brasileiro? São chatos!
- Quer...?
- Claro!
Ela sorriu, brevemente. Sabia que o "chatos" ia provocá-lo, mas surpreendeu-se, ele sorriu de volta.
- Tem razão.
- Por que você insiste?
- No quê?
- Em continuar a me mandar coisas, escrever bilhetes, convidar para almoçar.
- Pensei que podíamos continuar amigos.
- A quem está tentando enganar?
- Você mesma disse: vamos ser amigos!
- Mas pedi para não continuar com os presentes, os bilhetes. Isso foi o passado. Ponha na cabeça. O que vocês homens pretendem?
- Não pensa em mim?
- Penso na minha vida que precisa continuar.
- E esquecer tudo?
- Não dá para esquecer. Voce virou uma sombra, me segue por toda parte. Sou obrigada a fingir que nada aconteceu. Ou não consigo viver, retomar meu ritmo.
- Consegue?
- Se a gente não passa uma borracha, a vida pára!
- Está sozinha?
- Olha a insistência!
- Só para saber!
- De que adianta?
- Somos amigos ou não?
- Digamos... que somos conhecidos.
- Eu te chateio muito? Irrito? Encho o saco?
- Não, não... Mas me feriu... cortou fundo e isso custa a passar!
A cerveja tinha esquentado, o provolone estava borrachudo, gorduroso. Ele começou a suar. Talvez não tivesse sido boa idéia o almoço.
- O perfume. Tenta tudo, não?
- Você gostava.
- Gosto... digo, gostava. Mudei.
- Não foi proposital. Uso sempre este.
- Não usa, não.
- Quer ir embora?
- Não viemos almoçar? Estou com fome.
Ele chamou o garçom, ela pediu picadinho. Como no primeiro dia que tinham vindo ali, naquela mesma mesa. Seria de propósito ou acaso? Ele tentava ver em cada gesto dela um gesto de boa vontade, uma abertura, indício favorável.
No entanto, a comida veio, ela comeu com vontade, sem olhar para ele, observando o restaurante que continuava vazio. Ele começou a beliscar o suflê de espinafre, especialidade da casa. Saboroso. Quando percebeu, tinha comido tudo, sentiu-se melhor. Olhou para ela. Achou-a mais bonita que antes, talvez estivesse bem. Teria encontrado alguém? Ela jamais diria, responderia com uma ironia. Não quis sobremesa, estava mesmo levando a sério o regime. Não quis café. Levantou-se antes que ele pedisse a conta.
- Incomoda-se? Preciso visitar um cliente.
- Como vai indo?
- Médio. Está tudo muito difícil. Não acha?
- Não tem dinheiro... Quem tem não quer investir em nada, tem medo, espera a eleição.
- As pessoas estão com medo... Não querem investir em nada... Nem no coração!
Ele tentou tocar os lábios dela, sentir o hálito quente que o excitava sempre. Não conseguiu, ela virou o rosto, rapidamente, ainda que não ostensivamente, riu. E se foi. Ele colocou um provolone na boca, mascou como chiclete, tinha gosto de nada.

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