Pular para o conteúdo principal

A importância relativa das coisas

L. F. Veríssimo

 

O futebol dos sábados no sítio do Magalhães tinha começado como uma brincadeira, uma maneira de abrir o apetite para o almoço. As mulheres ficavam na piscina enquanto os homens jogavam num campo improvisado, que não tinha nem goleira. Três, no máximo quatro de cada lado. Na hora do almoço o jogo parava. Depois o futebol não era nem assunto entre os casais.

Com o tempo, o grupo de convidados para o almoço dos sábados começou a aumentar, e o futebol também. Magalhães ampliou o gramado e colocou goleiras. Os times se repetiam e aos poucos foram adquirindo uma identidade. Não demorou muito, tinham uniforme, flâmula e até bandeira. Mesmo assim a Marta só descobriu como a coisa ficara séria quando tentou interromper uma partida porque estava atrasando o almoço e foi corrida do campo pelo marido, o Sales. Pediu o divórcio na semana seguinte, embora o Sales negasse que estivesse tentando acertá-la com um pontapé, irritado com a intromissão, já que seu time estava perdendo.

 

Depois foi a vez da Silvinha, que no meio de um almoço de sábado fez protesto. O futebol estava acabando com a vida social dela e do Aderbal. Na sexta, o Aderbal não queria fazer nada, dormia cedo para estar em forma para o jogo da manhã seguinte. E no sábado, depois do jogo, não tinha condições de se mexer, o que dirá fazer alguma coisa. Eles não iam mais a teatro, não iam mais a cinema, não saíam mais para jantar. Várias das outras mulheres concordaram com a Silvinha. Os homens ficaram mudos. E os do time do Aderbal olharam para ele com orgulho. Ali estava alguém com uma noção correta da importância relativa das coisas na vida de um homem. No sábado seguinte, o Aderbal apareceu sem a Silvinha.

 

O terceiro problema foi com a própria mulher do Magalhães. Num certo sábado, ela viu um bando de meninos seminus atravessar o gramado correndo e pular na piscina onde - não que ela fosse racista, mas francamente! - nunca entrara alguém com pele escura a não ser pela ação do bronzeador. Uma invasão! Ela já ia chamar a polícia quando o Magalhães explicou que eram os filhos do Gedeão, segurança da firma, que ele convocara para reforçar a defesa do seu time. Ela que se acostumasse, o Gedeão e os filhos estariam almoçando lá todos os sábados. Precisava do Gedeão para o meio da zaga. A mulher do Magalhães também pediu divórcio.

 

* * *

 

Hoje são quatro times de sete jogadores que disputam intermináveis torneios e copas por qualquer pretexto - a atual é a Copa Patrícia Pillar - e muitas vezes esquecem de almoçar. Numa espécie de galpão ao lado da piscina, Magalhães instalou o que se chama de “a Federação”, a sede da “Liga dos Sábados”, e é ali que estão dois painéis, um o dos “Campeões”, com fotografias dos times vencedores dos diversos torneios, e outro o das “Caídas”, com fotos das mulheres que não agüentaram. São 12. A décima segunda foto, recém-inaugurada, é da Laurita, mulher do Marco Antônio, meia-armador do time do Sales. A Laurita agüentou o que pôde mas pediu o divórcio depois que encontrou o Marco Antônio fazendo uma preleção tática para o seu time na sala do apartamento, e usando suas miniaturas de porcelana para explicar as jogadas.

 

Há um terceiro painel, intitulado “Frouxos”, já que “Traidores” foi considerado forte demais. Neles estão as fotos do Olimar e do Galvão, que cederam à pressão e abandonaram seus times! O Galvão ainda com o agravante de ter comunicado sua decisão de parar na véspera da decisão da Copa Trigêmeas da Playboy.

Comentários

Anônimo disse…
Hahahahaha!
Se você gostar de futebol, você é a mulher perfeita. Digo, de futebol e de cerveja.
Adoro os textos que você publica e também os (poucos) que você escreve.
Abraços do Rio de Janeiro,
Gustavo Neri
Anônimo disse…
Pra deixar um comentario desses, o cara nao te conhece.

Postagens mais visitadas deste blog

Modéstia às favas, porque é lindo demais e é pra mim. E porque eu amo esse menino branco. . . Porque você é o que me importa do Fer . . Fico preocupado ao pensar que você talvez não saiba que me esforço todos os dias para não interromper reuniões, ligações, debates e seminários e contar sua última piada ou o comentário que fez ao ver a manchete do jornal. . Também não deve saber que melhoro minha postura, arrumo meu cabelo e minhas roupas ao imaginar que talvez te encontre ou que possa me ver de longe, andando distraído por uma rua qualquer. . Sempre que encosto meu ouvido em seu peito redescubro um pouco de fé ao pedir que te protejam e te façam menos frágil do que me parece naquele instante, com seu pequeno punho fechado a carregar meu mundo inteiro. Juro, então, que te fazer feliz vai ser meu exercício diário, como se dele dependesse o resto da minha vida. . Juro também que vou pensar na sua gargalhada, nas danças inusitadas e no carinho que me faz quando já está a dormir sempre que
Minha irmã me mostrou, e eu fiquei emocionadíssima. Só quem teve vai entender (se é que alguém da minha geração não teve...).
Açúcar emprestado Luis Fernando Veríssimo Vizinhos de porta, ele o 41 e ela o 42. Primeiro lance: ela. Bateu na porta dele e pediu açúcar emprestado para fazer um pudim. Segundo lance: ela de novo. Bateu na porta dele e perguntou se ele não queria provar o pudim. Afinal, era co-autor. Terceiro lance: ele. Hesitou, depois perguntou se ela não queria entrar. Ela entrou, equilibrando o prato do pudim longe do peito para não derramar a calda. - Não repara a bagunça... - O meu é pior. - Você mora sozinha? Sabia que ela morava sozinha. Perguntara ao porteiro logo depois de se mudar. A do 42? Dona Celinha? Mora sozinha. Morava com a mãe mas a mãe morreu. Boa moça. Um pouco... E o porteiro fizera um gesto indefinido com a mão, sem dizer o que a moça era. Fosse o que fosse, era só um pouco. A conversa começou com apresentações e troca de informações - "Nélio", "Celinha", "Capricórnio", "Leão", "Daqui mesmo", "Eu também" - e continuou e