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Mostrando postagens de abril, 2007
A Marina me deu de presente, e agora eu dou de presente pra ela (a vida tem uns encontros - mesmo os virtuais - inusitados e tão generosos...). Testamento do Brasil Paulo Mendes Campos Que já se faça a partilha. Só de quem nada possui p nada de nada terei. Que seja aberto na praia, não na sala do notário, o testamento de todos. Quero de Belo Horizonte esse píncaro mais áspero, onde fiquei sem consolo, mas onde floriu por milagre no recôncavo da brenha a campânula azulada. De São João del-Rei só quero as palmeiras esculpidas na matriz de São Francisco. Da Zona da Mata quero o Ford envolto em poeira por esse Brasil precário dos anos vinte (ou twenties), quando o trompete de jazz ruborizava a aurora cor de cinza de Chicago. Do Alto do Rio Negro quero só a solidão compacta como o cristal, quero o índio rodeando o motor do Catalina, quero a pedra onde não pude dormir à beira do rio, pensando em nós-brasileiros - entrelaçados destinos - como contas carcomidas de um rosário de martírios. De
A namorada Manoel de Barros Havia um muro alto entre nossas casas. Difícil de mandar recado para ela. Não havia e-mail. O pai era uma onça. A gente amarrava o bilhete numa pedra presa por um cordão E pinchava a pedra no quintal da casa dela. Se a namorada respondesse pela mesma pedra Era uma glória! Mas por vezes o bilhete enganchava nos galhos da goiabeira E então era agonia. No tempo do onça era assim.
Entre amigos Martha Medeiros Para que serve um amigo? Para rachar a gasolina, emprestar a prancha, recomendar um disco, dar carona pra festa, passar cola, caminhar no shopping, segurar a barra. Todas as alternativas estão corretas, porém isso não basta para guardar um amigo do lado esquerdo do peito. Milan Kundera, escritor tcheco, escreveu em seu último livro, "A Identidade", que a amizade é indispensável para o bom funcionamento da memória e para a integridade do próprio eu. Chama os amigos de testemunhas do passado e diz que eles são nosso espelho, que através deles podemos nos olhar. Vai além: diz que toda amizade é uma aliança contra a adversidade, aliança sem a qual o ser humano ficaria desarmado contra seus inimigos. Verdade verdadeira. Amigos recentes custam a perceber essa aliança, não valorizam ainda o que está sendo construído. São amizades não testadas pelo tempo, não se sabe se enfrentarão com solidez as tempestades ou se serão varridos numa chuva de verão. Verem
A igreja diz: O corpo é uma culpa. A ciência diz: O corpo é uma máquina. A publicidade diz: O corpo é um negócio. O corpo diz: Eu sou uma festa. Galeano, “As palavras e as coisas”, 1994.
Maiakovski Nos demais, todo mundo sabe, o coração tem moradia certa, fica bem aqui no meio do peito, mas comigo a anatomia ficou louca, sou todo coração.
Os visitantes Lygia Fagundes Telles Quando acordei, vi um diabinho montando no meu peito e outro no teto, dependurado no lustre. Coçava o ouvido com o rabo. Olhei para um, olhei para outro e não senti nem medo nem curiosidade, não senti nada, absolutamente nada. Ausência de emoção de qualquer espécie, o oco. Inerte, branca, fiquei olhando e meu olhar era exaurido como um sol apagado, só memória do outro sol mas sem nostalgia. Sem sofrimento. O diabinho mais próximo viu minha indiferença e ficou de pé no meu peito, se desmanchando em caretas para me impressionar. Não me impressionei: tinha chegado o fim do amor e desse incêndio não restara pedra sobre pedra, osso sobre osso, Roma de trás para diante com letra por letra queimada e reduzida a carvão. Ora, que me importa, eu disse. Vocês aí, que me importa. Rolei a cabeça no travesseiro e minha cabeça era opaca sem o gorro de pedras fulgurantes que durou enquanto durou a aventura. Fiquei olhando a parede vazia, os olhos também vazios. Qu