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Mostrando postagens com o rótulo Hilda Hilst
Pensava nele quando a seda do vestido tocou-lhe as coxas eriçando-lhe os pêlos (asas a roçar o espírito tocha a incendiar a carne) Pensava nele quando a voz de Maria Callas alcançou a nota mais aguda - L'atra notte in fondo al mare - invocando Mefistofele (setas fálicas a zumbir junto aos ouvidos aromas de sândalo a embebedar os sentidos) De tanto nele pensar devorou a si própria luxoriosamente (espírito é só carne) Hilda Hilst
Ela, sempre. Hilda Hilst. II Ama-me. É tempo ainda. Interroga-me. E eu te direi que o nosso tempo é agora. Esplêndida altivez, vasta ventura Porque é mais vasto o sonho que elabora Há tanto tempo sua própria tessitura. Ama-me. Embora eu te pareça Demasiado intensa. E de aspereza. E transitória se tu me repensas. X Não é apenas um vago, modulado sentimento O que me faz cantar enormemente A memória de nós. É mais. É como um sopro De fogo, é fraterno e leal, é ardoroso É como se a despedida se fizesse o gozo De saber Que há no teu todo e no meu, um espaço Oloroso, onde não vive o adeus. Não é apenas vaidade de querer Que aos cinquenta Tua alma e teu corpo se enterneçam Da graça, da justeza do poema. É mais. E por isso perdoa todo esse amor de mim E me perdoa de ti a indiferença.
O poeta inventa viagem, retorno e morre de saudades Hilda Hilst Se for possível, manda-me dizer: - É lua cheia. A casa está vazia - Manda-me dizer, e o paraíso Há de ficar mais perto, e mais recente Me há de parecer teu rosto incerto. Manda-me buscar se tens o dia Tão longo como a noite. Se é verdade Que sem mim só vês monotonia. E se te lembras do brilho das marés De alguns peixes rosados Numas águas E dos meus pés molhados, manda-me dizer: - É lua nova - E revestida de luz te volto a ver.
Aflição de ser eu e não ser outra Hilda Hilst Aflição de ser eu e não ser outra. Aflição de não ser, amor, aquela Que muitas filhas te deu, casou donzela E à noite se prepara e se adivinha Objeto de amor, atenta e bela. Aflição de não ser a grande ilha Que te retém e não te desespera. (A noite como fera se avizinha) Aflição de ser água em meio à terra E ter a face conturbada e móvel. E a um só tempo múltipla e imóvel Não saber se se ausenta ou se te espera. Aflição de te amar, se te comove. E sendo água, amor, querer ser terra.
Poesia I (em: tempo - morte) Hilda Hilst Corroendo As grandes escadas Da minha alma. Água. Como te chamas? Tempo. Vivida antes Revestida de laca Minha alma tosca Se desfazendo. Como te chamas? Tempo. Águas corroendo Caras, coração Todas as cordas do sentimento. Como te chamas? Tempo. Irreconhecível Me procuro lenta Nos teus escuros. Como te chamas, breu? Tempo.
Hilda Hilst Penso linhos e ungüentos para o coração machucado de Tempo. Penso bilhas e pátios Pela comoção de contemplá-los. (E de te ver ali À luz da geometria de teus atos) Penso-te Pensando-me em agonia. E não estou. Estou apenas densa Recolhendo aroma, passo O refulgente de ti que me restou.
Hilda Hilst E por que haverias de querer minha alma Na tua cama? Disse palavras líquidas, deleitosas, ásperas Obscenas, porque era assim que gostávamos. Mas não menti gozo prazer lascívia Nem omiti que a alma está além, buscando Aquele Outro. E te repito: por que haverias De querer minha alma na tua cama? Jubila-te da memória de coitos e de acertos. Ou tenta-me de novo. Obriga-me. 
Hilda Hilst A minha Casa é guardiã do meu corpo E protetora de todas as minhas ardências E transmuta em palavra Paixão e veemência E minha boca se faz fonte de prata Ainda que eu grite à Casa que só existo Para sorver a água da tua boca. A minha Casa, Dionísio, te lamenta E manda que eu te pergunte assim de frente: A uma mulher que canta ensolarada E que é sonora, múltipla e argonauta Por que recusas amor e permanência?
Do desejo Hilda Hilst I Porque há desejo em mim, é tudo cintilância. Antes, o cotidiano era um pensar alturas Buscando Aquele Outro decantado Surdo à minha humana ladradura. Visgo e suor, pois nunca se faziam. Hoje, de carne e osso, laborioso, lascivo Tomas-me o corpo. E que descanso me dás Depois das lidas. Sonhei penhascos Quando havia o jardim aqui ao lado, Pensei subidas onde não havia rastros. Extasiada, fodo contigo Ao invés de ganir diante do Nada. II Ver-te. Tocar-te. Que fulgor de máscaras. Que desenhos e rictus na tua cara. Como os frisos veementes dos tapetes antigos. Que sombrio te tornas se repito O sinuoso caminho que persigo: um desejo Sem dono, um adorar-te vívido mas livre. E que escura me faço se abocanhas de mim Palavras e resíduos. Me vêm fomes Agonias de grande espessuras, embaçadas luas Facas, tempestade. Ver-te. Tocar-te. Cordura. Crueldade. III Colada à tua boca a minha desordem. O meu vasto querer. O incompossível se fazendo ordem. Colada a tua boca, mas descom...
Dez chamamentos ao amigo Hilda Hilst Se te pareço noturna e imperfeita Olha-me de novo. Porque esta noite Olhei-me a mim, como se tu me olhasses. E era como se a água Desejasse Escapar de sua casa que é o rio E deslizando apenas, nem tocar a margem. Te olhei. E há tanto tempo Entendo que sou terra. Há tanto tempo Espero Que o teu corpo de água mais fraterno Se estenda sobre o meu. Pastor e nauta Olha-me de novo. Com menos altivez. E mais atento.
Desculpem pela ausência, mas não tem sido fácil morar em duas cidades simultaneamente e, entre uma e outra viagem, arranjar tempo de matar as saudades. . Hilda Hilst Te amo, Vida, líquida esteira onde me deito Romã baba alcaçuz, teu trançado rosado Salpicado de negro, de doçuras e iras. Te amo, Líquida, descendo escorrida Pela víscera, e assim esquecendo Fomes País O riso solto A dentadura etérea Bola Miséria. Bebendo, Vida, invento casa, comida E um Mais que se agiganta, um Mais Conquistando um fulcro potente na garganta Um látego, uma chama, um canto. Amo-me. Embriagada. Interdita. Ama-me. Sou menos Quando não sou líquida. (Alcoólicas - V)
Amavisse Hilda Hilst Como se te perdesse, assim te quero. Como se não te visse (favas douradas Sob um amarelo) assim te apreendo brusco Inamovível, e te respiro inteiro Um arco-íris de ar em águas profundas. Como se tudo o mais me permitisses, A mim me fotografo nuns portões de ferro Ocres, altos, e eu mesma diluída e mínima No dissoluto de toda despedida. Como se te perdesse nos trens, nas estações Ou contornando um círculo de águas Removente ave, assim te somo a mim: De redes e de anseios inundada. (II) * * * Descansa. O Homem já se fez O escuro cego raivoso animal Que pretendias.
Mais Alcoólicas, da Hilda Hilst. Enviada pela Marina, que é sempre o máximo na tarefa informal de alimentar esse blog de coisas legais. . Se um dia te afastares de mim, Vida — o que não creio Porque algumas intensidades têm a parecença da bebida — Bebe por mim paixão e turbulência, caminha Onde houver uvas e papoulas negras (inventa-as) Recorda-me, Vida: passeia meu casaco, deita-te Com aquele que sem mim há de sentir um prolongado vazio. Empresta-lhe meu coturno e meu casaco rosso: compreenderá O porquê de buscar conhecimento na embriaguês da via manifesta. Pervaga. Deita-te comigo. Apreende a experiência lésbica: O êxtase de te deitares contigo. Beba. Estilhaça a tua própria medida. (Alcoólicas - IX)
Alcoólicas Hilda Hilst É crua a vida. Alça de tripa e metal. Nela despenco: pedra mórula ferida. É crua e dura a vida. Como um naco de víbora. Como-a no livor da língua Tinta, lavo-te os antebraços, Vida, lavo-me No estreito-pouco Do meu corpo, lavo as vigas dos ossos, minha vida Tua unha plúmbea, meu casaco rosso. E perambulamos de coturno pela rua Rubras, góticas, altas de corpo e copos. A vida é crua. Faminta como o bico dos corvos. E pode ser tão generosa e mítica: arroio, lágrima Olho d'água, bebida. A Vida é líquida. (Alcoólicas - I) * * * Também são cruas e duras as palavras e as caras Antes de nos sentarmos à mesa, tu e eu, Vida Diante do coruscante ouro da bebida. Aos poucos Vão se fazendo remansos, lentilhas d'água, diamantes Sobre os insultos do passado e do agora. Aos poucos Somos duas senhoras, encharcadas de riso, rosadas De um amora, um que entrevi no teu hálito, amigo Quando me permitiste o paraíso. O sinistro das horas Vai se fazendo tempo de conquista. Langor ...
A rainha careca Hilda Hilst De cabeleira farta de rígidas ombreiras de elegante beca Ula era casta Porque de passarinha Era careca. À noite alisava O monte lisinho Co'a lupa procurava Um tênue fiozinho Que há tempos avistara. Ó céus! Exclamava. Por que me fizeram Tão farta de cabelos Tão careca nos meios?E chorava. Um dia... Passou pelo reino Um biscate peludo Vendendo venenos. (Uma gota aguda Pode ser remédio Pra uma passarinha De rainha.) Convocado ao palácio Ula fez com que entrasse No seu quarto. Não tema, cavalheiro, Disse-lhe a rainha Quero apenas pentelhos Pra minha passarinha. Ó Senhora! O biscate exclamou. É pra agora!E arrancou do próprio peito Os pêlos E com saliva de ósculos Colou-os Concomitantemente penetrando-lhe os meios. UI! UI! UI! gemeu Ula De felicidade Cabeluda ou não Rainha ou prostituta Hei de ficar contigo A vida toda! Evidente que aos poucos Despregou-se o tufo todo. Mas isso o que importa? Feliz, mui contentinha A Rainha Ula já não chora. Moral da estória:...
De tanto te pensar, me veio a ilusão. A mesma ilusão Da égua que sorve a água pensando sorver a lua. De te pensar me deito nas aguadas E acredito luzir e estar atada Ao fulgor do costado de um negro cavalo de cem luas. De te sonhar, tenho nada, Mas acredito em mim o ouro e o mundo. De te amar, possuída de ossos e abismos Acredito ter carne e vadiar Ao redor dos teus cismos. De nunca te tocar Tocando os outros Acredito ter mãos, acredito ter boca Quando só tenho patas e focinho. De muito desejar altura e eternidade Me vem a fantasia de que Existo e Sou. Quando sou nada: égua fantasmagórica Sorvendo a lua n'água. Hilda Hilst
Hilda Hilst E por que haverias de querer minha alma Na tua cama? Disse palavras líquidas, deleitosas, ásperas Obscenas, porque era assim que gostávamos. Mas não menti gozo prazer lascívia Nem omiti que a alma está além, buscando Aquele Outro. E te repito: por que haverias De querer minha alma na tua cama? Jubila-te da memória de coitos e de acertos. Ou tenta-me de novo. Obriga-me.