Pular para o conteúdo principal

Postagens

Mostrando postagens de maio, 2009
Amélie Poulain, final do filme. Porque às vezes eu queria ser ela, e às vezes eu tenho certeza que eu sou.
Contardo Calligaris, psicanalista (na Folha de SP). Vicky Cristina Barcelona "Vicky Cristina Barcelona", de Woody Allen, estreou no Brasil na semana passada. Com muita leveza e muito bom humor, o filme me levou a pensar nos percalços da vida amorosa. A história do verão em Barcelona de Vicky e Cristina é um pequeno tratado do amor-paixão: os espectadores terão o prazer (ou desprazer) de se reconhecer em algum lugar do leque de experiências amorosas que o filme apresenta -é um leque pequeno, mas do qual escapamos pouco. Sem resumir, eis umas notas: 1) Os casais que se amam de paixão, cujos parceiros parecem ser feitos um para o outro, em regra, acabam tentando se matar -com faca, revólver ou qualquer outro instrumento (cf. Juan Antonio e Maria Emilia). É porque, se o outro me completa e vice-versa, o risco é que nenhum de nós sobreviva à nossa união -ao menos, não como ente separado e distinto. Mas, por mais que seja ameaçadora, a paixão amorosa é uma tentação irresistível (cf
Contardo Calligaris (...) No "Ensaio sobre a Cegueira" (de Meirelles e de Saramago), diferente do que acontece em muitas narrativas apocalípticas, a heroína é uma mulher, e as mulheres são as depositárias da esperança; elas saem engrandecidas pelas provas da situação extrema. São elas que, para o bem de todos, entregam-se aos estupradores, aviltando não elas mesmas mas os que as violentam, com uma coragem que salienta a covardia dos maridos ciumentos ou zelosos de sua "honra". São elas que sabem cuidar de uma criança ou matar quando é preciso. São elas que reinventam a amizade (em cenas memoráveis: a das mulheres lavando o corpo da companheira espancada à morte e a das mulheres no chuveiro). Aviso, caso, um dia, a gente tenha que recomeçar tudo do zero: em geral, as mulheres sabem, melhor do que os homens, o que é essencial na vida.
Aviso  Lya Luft e me quiserem amar, terá de ser agora: depois, estarei cansada. Minha vida foi feita de parceria com a morte: pertenço um pouco a cada uma, para mim sobrou quase nada. Ponho a máscara do dia, um rosto cômodo e fixo: assim garanto a minha sobrevida. Se me quiserem amar, terá de ser hoje: amanhã, estarei mudada.
Jogo  Nuno Júdice Eu, sabendo que te amo, E como as coisas do amor são difíceis, Preparo em silêncio a mesa do jogo,estendo as peças sobre o tabuleiro,disponho os lugares necessários para que tudo comece: as cadeiras uma em frente da outra, embora saiba que as mãos não se podem tocar, e que para além das dificuldades, hesitações, recuos ou avanços possíveis, só os olhos transportam, talvez uma hipótese de entendimento.É então que chegas, e como se um vento do norte entrasse por uma janela aberta, o jogo inteiro voa pelos ares, o frio enche-te os olhos de lágrimas, e empurras-me para dentro, onde o fogo consome o que resta do nosso quebra-cabeças.
No meio da noite Adélia Prado Acordei meu bem pra lhe contar meu sonho: sem apoio de mesa ou jarro eram as buganvílias brancas destacadas de um escuro. Não fosforesciam, nem cheiravam, nem eram alvas. Eram brancas no ramo, brancas de leite grosso. No quarto escuro, a única visível coisa, o próprio ato de ver. Como se sente o gosto da comida eu senti o que falavam: "A ressurreição já está sendo urdida, os tubérculos da alegria estão inchando úmidos, vão brotar sinos”. Doía como um prazer Vendo que eu não mentia ele falou: as mulheres são complicadas. Homem é tão singelo. Eu sou singelo. Fica singela também. Respondi que queria ser singela e na mesma hora, singela, singela, comecei a repetir singela. A palavra destacou-se novíssima como as buganvílias do sonho. Me atropelou. — O que que foi? — ele disse. — As buganvílias... Como nenhum de nós podia ir mais além, solucei alto e fui chorando, chorando, até ficar singela e dormir de novo.
O poeta inventa viagem, retorno e morre de saudades Hilda Hilst Se for possível, manda-me dizer: - É lua cheia. A casa está vazia - Manda-me dizer, e o paraíso Há de ficar mais perto, e mais recente Me há de parecer teu rosto incerto. Manda-me buscar se tens o dia Tão longo como a noite. Se é verdade Que sem mim só vês monotonia. E se te lembras do brilho das marés De alguns peixes rosados Numas águas E dos meus pés molhados, manda-me dizer: - É lua nova - E revestida de luz te volto a ver.
Fagulha Ana Cristina Cesar Abri curiosa o céu. Assim, afastando de leve as cortinas. Eu queria entrar, coração ante coração, inteiriça ou pelo menos mover-me um pouco, com aquela parcimônia que caracterizava as agitações me chamando Eu queria até mesmo saber ver, e num movimento redondo como as ondas que me circundavam, invisíveis, abraçar com as retinas cada pedacinho de matéria viva. Eu queria (só) perceber o invislumbrável no levíssimo que sobrevoava. Eu queria apanhar uma braçada do infinito em luz que a mim se misturava. Eu queria captar o impercebido nos momentos mínimos do espaço nu e cheio Eu queria ao menos manter descerradas as cortinas na impossibilidade de tangê-las Eu não sabia que virar pelo avesso era uma experiência mortal.
Canção do amor sereno Lya Luft Vem sem receio: eu te recebo Como um dom dos deuses do deserto Que decretaram minha trégua , e permitiram Que o mel de teus olhos me invadisse. Quero que o meu amor te faça livre, Que meus dedos não te prendam Mas contornem teu raro perfil Como lábios tocam um anel sagrado. Quero que o meu amor te seja enfeite E conforto, porto de partida para a fundação Do teu reino, em que a sombra Seja abrigo e ilha. Quero que o meu amor te seja leve Como se dançasse numa praia uma menina.
De gramática e de linguagem Mário Quintana E havia uma gramática que dizia assim: "Substantivo (concreto) é tudo quanto indica Pessoa, animal ou cousa: João, sabiá, caneta". Eu gosto das cousas. As cousas sim !... As pessoas atrapalham. Estão em toda parte. Multiplicam-se em excesso. As cousas são quietas. Bastam-se. Não se metem com ninguém. Uma pedra. Um armário. Um ovo, nem sempre, Ovo pode estar choco: é inquietante...) As cousas vivem metidas com as suas cousas. E não exigem nada. Apenas que não as tirem do lugar onde estão. E João pode neste mesmo instante vir bater à nossa porta. Para quê? Não importa: João vem! E há de estar triste ou alegre, reticente ou falastrão, Amigo ou adverso...João só será definitivo Quando esticar a canela. Morre, João... Mas o bom mesmo, são os adjetivos, Os puros adjetivos isentos de qualquer objeto. Verde. Macio. Áspero. Rente. Escuro. luminoso. Sonoro. Lento. Eu sonho Com uma linguagem composta unicamente de adjetivos Como decerto é a lin
Princípios Nuno Júdice Podíamos saber um pouco mais da morte. Mas não seria isso que nos faria ter vontade de morrer mais depressa. Podíamos saber um pouco mais da vida. Talvez não precisássemos de viver tanto, quando só o que é preciso é saber que temos de viver. Podíamos saber um pouco mais do amor. Mas não seria isso que nos faria deixar de amar ao saber exactamente o que é o amor, ou amar mais ainda ao descobrir que, mesmo assim, nada sabemos do amor.
O mais-que-perfeito Vinícius de Moraes Ah, quem me dera ir-me Contigo agora Para um horizonte firme (Comum, embora...) Ah, quem me dera ir-me ! Ah, quem me dera amar-te Sem mais ciúmes De alguém em algum lugar Que não presumes... Ah, quem me dera amar-te ! Ah, quem me dera ver-te Sempre ao meu lado Sem precisar dizer-te Jamais : cuidado... Ah, quem me dera ver-te ! Ah, quem me dera ter-te Como um lugar Plantado num chão verde Para eu morar-te Morar-te até morrer-te...
Aflição de ser eu e não ser outra Hilda Hilst Aflição de ser eu e não ser outra. Aflição de não ser, amor, aquela Que muitas filhas te deu, casou donzela E à noite se prepara e se adivinha Objeto de amor, atenta e bela. Aflição de não ser a grande ilha Que te retém e não te desespera. (A noite como fera se avizinha) Aflição de ser água em meio à terra E ter a face conturbada e móvel. E a um só tempo múltipla e imóvel Não saber se se ausenta ou se te espera. Aflição de te amar, se te comove. E sendo água, amor, querer ser terra.
Se eu morrer de novo Alberto Caeiro (...) Uma vez amei, julguei que me amariam, Mas não fui amado. Não fui amado pela unica grande razão - Porque não tinha que ser. Consolei-me voltando ao sol e a chuva, E sentando-me outra vez a porta de casa. Os campos, afinal, não são tão verdes para os que são amados Como para os que o não são. Sentir é estar distraido.
Paulo Mendes Campos Quando o olhar advinhando a vida Prende-se a outro olhar de criatura O espaço se converte na moldura O tempo incide incerto sem medida As mãos que se procuram ficam presas Os dedos estreitados lembram garras Da ave de rapina quando agarra A carne de outras aves indefesas A pele encontra a pele e se arrepia Oprime o peito que estremece O rosto a outro rosto desafia A carne entrando a carne se consome Suspira o corpo todo e desfalece E triste volta a si com sede e fome
Vazio Augusto Frederico Schimidt A poesia fugiu do mundo. O amor fugiu do mundo — Restam somente as casas, Os bondes, os automóveis, as pessoas, Os fios telegráficos estendidos, No céu os anúncios luminosos. A poesia fugiu do mundo. O amor fugiu do mundo — Restam somente os homens, Pequeninos, apressados, egoístas e inúteis. Resta a vida que é preciso viver. Resta a volúpia que é preciso matar. Resta a necessidade de poesia, que é preciso contentar.
Para o Zé Adélia Prado Eu te amo, homem, hoje como toda vida quis e não sabia, eu que já amava de extremoso amor o peixe, a mala velha, o papel de seda e os riscos de bordado, onde tem o desenho cômico de um peixe - os lábios carnudos como os de uma negra. Divago, quando o que quero é só dizer te amo. Teço as curvas, as mistas e as quebradas, industriosa como abelha, alegrinha como florinha amarela, desejando as finuras, violoncelo, violino, menestrel e fazendo o que sei, o ouvido no teu peito pra escutar o que bate. Eu te amo homem, amo, o teu coração, o que é, a carne de que é feito, amo sua matéria, fauna e flora, seu poder de perecer, as aparas de tuas unhas perdidas nas casas que habitamos, os fios de tua arma. Esmero. Pego tua mão, me afasto, viajo pra ter saudade, me calo, falo em latim pra requintar meu gosto: "Dize-me, ó amado da minha alma, onde apascentas o teu gado, onde repousas ao meio-dia, para que eu não ande vagando atrás dos rebanhos de teus companheiros". A
In extremis Olavo Bilac Nunca morrer assim! Nunca morrer num dia Assim! de um sol assim! Tu, desgrenhada e fria, Fria! postos nos teus os meus dedos gelados... E um dia assim! de um sol assim! E assim a esfera Toda azul, no esplendor do fim da primavera! Asas, tontas de luz, cortando o firmamento! Ninhos cantando! Em flor a terra toda! O vento Despencando os rosais, sacudindo o arvoredo... E aqui dentro, o silêncio...E este espanto! e este medo! Nós dois...e, entre nós dois, implacável e forte, A arredar-me de ti, cada vez mais, a morte... Eu, com o frio a crescer no coração, - tão cheio De ti, até no horror do derradeiro anseio! Tu, vendo retorcer-se amarguradamente, A boca que beijava a tua boca ardente, A boca que foi tua! E eu morrendo! e eu morrendo Vendo-te, e vendo o sol, e vendo o céu, e vendo Tão belo palpitar nos teus olhos, querida, A delícia da vida! a delícia da vida!
Amei tanto Vinícius de Moraes Nunca fui covarde Mas agora é tarde Amei tanto Que agora nem sei mais chorar Vivi te buscando Vivi te encontrando Vivi te perdendo Ah, coração, infeliz até quando? Para ser feliz Tu vais morrer de dor Amei tanto Que agora nem sei mais chorar Nunca fui covarde Mas agora é tarde É tarde demais enfim A solidão é o fim de quem ama A chama se esvai, a noite cai em mim
Paulo Leminski quando eu tiver setenta anos então vai acabar esta adolescência vou largar da vida louca e terminar minha livre docência vou fazer o que meu pai quer começar a vida com passo perfeito vou fazer o que minha mãe deseja aproveitar as oportunidades de virar um pilar da sociedade e terminar meu curso de direito então ver tudo em sã consciência quando acabar esta adolescência
Como as mulheres são lindas Manuel Bandeira Inútil pensar que é do vestido... E depois não há só as bonitas: Há também as simpáticas. E as feias, certas feias em cujos olhos vejo isto: Uma menininha que é pisada e batida e nunca sai da cozinha. Como deve ser bom gostar de uma feia! O meu amor porém não tem bondade alguma. É fraco! É fraco! Meu Deus, eu amo como as criancinhas... És linda como uma história da carochinha... E eu preciso de ti como precisava de mamãe e papai (No tempo em que pensava que os ladrões moravam no morro atrás de casa e tinham cara de pau).
Do amoroso esquecimento Mário Quintana Eu agora - que desfecho! Já nem penso mais em ti... Mas será que nunca deixo De lembrar que te esqueci?
Para sempre Carlos Drummond de Andrade Por que Deus permite que as mães vão-se embora? Mãe não tem limite, é tempo sem hora, luz que não apaga quando sopra o vento e chuva desaba, veludo escondido na pele enrugada, água pura, ar puro, puro pensamento. Morrer acontece com o que é breve e passa sem deixar vestígio. Mãe, na sua graça, é eternidade. Por que Deus se lembra - mistério profundo - de tirá-la um dia? Fosse eu Rei do Mundo, baixava uma lei: Mãe não morre nunca, mãe ficará sempre junto de seu filho e ele, velho embora, será pequenino   feito grão de milho.
Paulo Leminski um homem com uma dor é muito mais elegante caminha assim de lado como se chegasse atrasado andasse mais adiante carrega o peso da dor como se portasse medalhas uma coroa um milhão de dólares ou coisa que os valha ópios édens analgésicos não me toquem nessa dor ela é tudo que me sobra sofrer, vai ser minha última obra
Adão. 
Formas  Adélia Prado De um único modo se pode dizer a alguém: 'não esqueço você' A corda do violoncelo fica vibrando sozinha sob um arco invisível e os pecados desaparecem como ratos flagrados. Meu coração causa pasmo porque bate e tem sangue nele e vai parar um dia e vira um tambor patético se falas no meu ouvido 'não esqueço você' Manchas de luz na parede, uma jarra pequena com três rosas de plástico. Tudo no mundo é perfeito e a morte é amor.
Inti midade José Saramago No coração da mina mais secreta, No interior do fruto mais distante, Na vibração da nota mais discreta, No búzio mais convolto e ressoante, Na camada mais densa da pintura, Na veia que no corpo mais nos sonde, Na palavra que diga mais brandura, Na raiz que mais desce, mais esconde, No silêncio mais fundo desta pausa, Em que a vida se fez perenidade, Procuro a tua mão, decifro a causa De querer e não querer, final, intimidade.
Razão de ser Paulo Leminski Escrevo. E pronto. Escrevo porque preciso, preciso porque estou tonto. Ninguém tem nada com isso. Escrevo porque amanhece, E as estrelas lá no céu Lembram letras no papel, Quando o poema me anoitece. A aranha tece teias. O peixe beija e morde o que vê. Eu escrevo apenas. Tem que ter por quê?
Aprendizado Ferreira Gullar Do mesmo modo que te abriste à alegria abre-te agora ao sofrimento que é fruto dela e seu avesso ardente. Do mesmo modo que da alegria foste ao fundo e te perdeste nela e te achaste nessa perda deixa que a dor se exerça agora sem mentiras nem desculpas e em tua carne vaporize toda ilusão que a vida só consome o que a alimenta.
O que há Alvaro de Campos O que há em mim é sobretudo cansaço — Não disto nem daquilo, Nem sequer de tudo ou de nada: Cansaço assim mesmo, ele mesmo, cansaço. A sutileza das sensações inúteis, As paixões violentas por coisa nenhuma, Os amores intensos por o suposto em alguém, Essas coisas todas - Essas e o que falta nelas eternamente; Tudo isso faz um cansaço, Este cansaço, cansaço. Há sem dúvida quem ame o infinito, Há sem dúvida quem deseje o impossível, Há sem dúvida quem não queira nada — Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles: Porque eu amo infinitamente o finito, Porque eu desejo impossivelmente o possível, Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser, Ou até se não puder ser... E o resultado? Para eles a vida vivida ou sonhada, Para eles o sonho sonhado ou vivido, Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto... Para mim só um grande, um profundo, E, ah com que felicidade infecundo, cansaço, Um supremíssimo cansaço, Íssimno, íssimo, íssimo, Cansaço...
Meditação à beira de um poema  Adélia Prado Podei a roseira no momento certo e viajei muitos dias, aprendendo de vez que se deve esperar biblicamente pela hora das coisas. Quando abri a janela, vi-a, como nunca a vira constelada, os botões, Alguns já com rosa- pálido espiando entre as sépalas, jóias vivas em pencas. Minha dor nas costas, meu desaponto com os limites do tempo, o grande esforço para que me entendam pulverizam-se diante do recorrente milagre. maravilhosas faziam-se as cíclicas perecíveis rosas. Ninguém me demoverá do que de repente soube à margem dos edifícios da razão: a misericórdia está intacta, vagalhões de cobiça, punhos fechados, altissonantes iras, nada impede ouro de corolas e acreditai: perfumes. Só porque é setembro.
Clarice Lispector Não entendo.  Isso é tão vasto que ultrapassa qualquer entender.Entender é sempre limitado. Mas não entender pode não ter fronteiras. Sinto que sou muito mais completa quando não entendo. Não entender, do modo como falo, é um dom. Não entender, mas não como um simples de espírito. O bom é ser inteligente e não entender. É uma benção estranha, como ter loucura sem ser doida. É um desinteresse manso, é uma doçura de burrice. Só que de vez em quando vem a inquietação: quero entender um pouco. Não demais: mas pelo menos entender que não entendo.
Do blog do Fer: "Fiz uma daquelas brincadeiras que às vezes chegam por e-mail e que, invariavelmente, ignoramos. Nesse caso, porém, imaginei que o resultado pudesse ficar legal. A instrução era digitar a resposta das perguntas abaixo no campo de busca do Flickr e escolher uma das fotos da primeira página de resultados. Depois, gerar um mosaico. 1. What is your first name? 2. What is your favorite food? 3. What is your favorite color? 4. Favorite drink? 5. Dream vacation? 6. Favorite hobby? 7. What you want to be when you grow up? 8. What do you love most in life? 9. One word to describe you?" Minha brincadeira foi adivinhar as palavras que deram origem ao mosaico dele. Acertei todas, com exceção do nome da praia pra onde ele quer ir. O Fer é Fernando, taioba (ou comida mineira), azul, suco de maracujá, praia, fotografia, feliz, dri, curioso.  Eu sou o que ele mais ama na vida. E também um prédio, como vocês podem ver na foto. Ah! E muito, muito sortuda. 
O  Pe  me mostrou e eu adorei.
podem ficar com a realidade esse baixo astral em que tudo entra pelo cano eu quero viver de verdade eu fico com o cinema americano Paulo Leminski
Transar bem todas as ondas a Papai do Céu pertence, fazer as luas redondas ou me nascer paranaense. A nós, gente, só foi dada essa maldita capacidade, transformar amor em nada. Paulo Leminski
Amor Clarice Lispector   Um pouco cansada, com as compras deformando o novo saco de tricô, Ana subiu no bonde. Depositou o volume no colo e o bonde começou a andar. Recostou-se então no banco procurando conforto, num suspiro de meia satisfação. Os filhos de Ana eram bons, uma coisa verdadeira e sumarenta. Cresciam, tomavam banho, exigiam para si, malcriados, instantes cada vez mais completos. A cozinha era enfim espaçosa, o fogão enguiçado dava estouros. O calor era forte no apartamento que estavam aos poucos pagando. Mas o vento batendo nas cortinas que ela mesma cortara lembrava-lhe que se quisesse podia parar e enxugar a testa, olhando o calmo horizonte. Como um lavrador. Ela plantara as sementes que tinha na mão, não outras, mas essas apenas. E cresciam árvores. Crescia sua rápida conversa com o cobrador de luz, crescia a água enchendo o tanque, cresciam seus filhos, crescia a mesa com comidas, o marido chegando com os jornais e sorrindo de fome, o canto importuno das empre
(...) Nada se parece com nada. A fita não coincide Com a tragédia encenada. Parece que foi ontem. O resto, as próprias coisas contem. Paulo Leminski
No segundo ou terceiro dia em que conversei com o Mario, ele me deu este texto. Tirou xerox pra mim e tudo mais, num desses rompantes de delicadeza nos quais ele se mostra a pessoa mais amável do planeta (pra logo depois voltar a se fingir de ogro, claro). Ele nem vai se lembrar, mas depois disso o texto passou a ser dele, assim como muitas outras coisas que a gente adora e divide.  Então, pro Mario, que anda meio tristinho, Guimarães Rosa: A menina de lá Guimarães Rosa Sua casa ficava para trás da serra do Mim, quase no meio de um brejo de água limpa, lugar chamado o Temor-de-Deus. O Pai, pequeno sitiante, lidava com vacas e arroz; a Mãe, urucuiana, nunca tirava o terço da mão, mesmo quando matando galinhas ou passando descompostura em alguém. E ela, menininha, por nome Maria, Nhinhinha dita, nascera já muito para miúda, cabeçudota e com olhos enormes. Não que parecesse olhar ou enxergar de propósito. Parava quieta, não queria bruxas de pano, brinquedo nenhum, sempre sentadinha onde s