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Mostrando postagens com o rótulo Paulo Mendes Campos
Três coisas Não consigo entender  O tempo  A morte  Teu olhar  O tempo é muito comprido  A morte não tem sentido  Teu olhar me põe perdido  Não consigo medir  O tempo  A morte  Teu olhar  O tempo, quando é que cessa?  A morte, quando começa?  Teu olhar, quando se expressa?  Muito medo tenho  Do tempo  Da morte  De teu olhar  O tempo levanta o muro.  A morte será o escuro?  Em teu olhar me procuro.    Paulo Mendes Campos
Paulo Mendes Campos Quando o olhar advinhando a vida Prende-se a outro olhar de criatura O espaço se converte na moldura O tempo incide incerto sem medida As mãos que se procuram ficam presas Os dedos estreitados lembram garras Da ave de rapina quando agarra A carne de outras aves indefesas A pele encontra a pele e se arrepia Oprime o peito que estremece O rosto a outro rosto desafia A carne entrando a carne se consome Suspira o corpo todo e desfalece E triste volta a si com sede e fome
"If" Paulo Mendes Campos Meu filho, se acaso chegares, como eu cheguei a uma campina de horizontes arqueados, não te intimidem o uivo do lobo, o bramido do tigre; enfrenta-os nas esquinas da selva, olhos nos olhos, dedo firme no gatilho. Meu filho, se acaso chegares a um mundo injusto e triste como este em que vivo, faze um filho; para que ele alcance um tempo mais longe e mais puro, e ajude a redimi-lo.
Insônia Paulo Mendes Campos A lâmpada acesa enxerga a noite toda apagada. A chuva conta nos canos a história das telhas velhas. O soalho e os móveis conversam nos cantos, aos estalidos. Meu pulso soma dez tocos de cigarro no cinzeiro. Teu nome tem só seis letras. Li três livros de uma vez.
A Marina me deu de presente, e agora eu dou de presente pra ela (a vida tem uns encontros - mesmo os virtuais - inusitados e tão generosos...). Testamento do Brasil Paulo Mendes Campos Que já se faça a partilha. Só de quem nada possui p nada de nada terei. Que seja aberto na praia, não na sala do notário, o testamento de todos. Quero de Belo Horizonte esse píncaro mais áspero, onde fiquei sem consolo, mas onde floriu por milagre no recôncavo da brenha a campânula azulada. De São João del-Rei só quero as palmeiras esculpidas na matriz de São Francisco. Da Zona da Mata quero o Ford envolto em poeira por esse Brasil precário dos anos vinte (ou twenties), quando o trompete de jazz ruborizava a aurora cor de cinza de Chicago. Do Alto do Rio Negro quero só a solidão compacta como o cristal, quero o índio rodeando o motor do Catalina, quero a pedra onde não pude dormir à beira do rio, pensando em nós-brasileiros - entrelaçados destinos - como contas carcomidas de um rosário de martírios. De ...
O amor acaba Paulo Mendes Campos O amor acaba. Numa esquina, por exemplo, num domingo de lua nova, depois de teatro e silêncio; acaba em cafés engordurados, diferentes dos parques de ouro onde começou a pulsar; de repente, ao meio do cigarro que ele atira de raiva contra um automóvel ou que ela esmaga no cinzeiro repleto, polvilhando de cinzas o escarlate das unhas; na acidez da aurora tropical, depois duma noite votada à alegria póstuma, que não veio; e acaba o amor no desenlace das mãos no cinema, como tentáculos saciados, e elas se movimentam no escuro como dois polvos de solidão; como se as mãos soubessem antes que o amor tinha acabado; na insônia dos braços luminosos do relógio; e acaba o amor nas sorveterias diante do colorido iceberg, entre frisos de alumínio e espelhos monótonos; e no olhar do cavaleiro errante que passou pela pensão; às vezes acaba o amor nos braços torturados de Jesus, filho crucificado de todas as mulheres; mecanicamente, no elevador, como se lhe faltasse e...
Quem coleciona selos para o filho do amigo; quem acorda de madrugada e estremece no desgosto de si mesmo ao lembrar que há muitos anos feriu a quem amava; quem chora no cinema ao ver o reencontro de pai e filho; quem segura sem temor uma lagartixa e lhe faz com os dedos uma carícia; quem se detém no caminho para ver melhor a flor silvestre; quem se ri das próprias rugas; quem decide aplicar-se ao estudo de uma língua morta depois de um fracasso sentimental; quem procura na cidade os traços da cidade que passou; quem se deixa tocar pelo símbolo da porta fechada; quem costura roupa para os lázaros; quem envia bonecas às filhas dos lázaros; quem diz a uma visita pouco familiar: Meu pai só gostava desta cadeira; quem manda livros aos presidiários; quem se comove ao ver passar de cabeça branca aquele ou aquela, mestre ou mestra, que foi a fera do colégio; quem escolhe na venda verdura fresca para o canário; quem se lembra todos os dias do amigo morto; quem jamais negligencia os ritos da ami...