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Mostrando postagens de outubro, 2008
Repostando. Porque às vezes é preciso. . I love my husband Nélida Piñon Eu amo meu marido. De manhã à noite. Mal acordo, ofereço-lhe café. Ele suspira exausto da noite sempre maldormida e começa a barbear-se. Bato-lhe à porta três vezes, antes que o café esfrie. Ele grunhe com raiva e eu vocifero com aflição. Não quero meu esforço confundido com um líquido frio que ele tragará como me traga duas vezes por semana, especialmente no sábado. Depois, arrumo-lhe o nó da gravata e ele protesta por consertar-lhe unicamente a parte menor de sua vida. Rio para que ele saia mais tranqüilo, capaz de enfrentar a vida lá fora e trazer de volta para a sala de visita um pão sempre quentinho e farto. Ele diz que sou exigente, fico em casa lavando a louça, fazendo compras, e por cima reclamo da vida. Enquanto ele constrói o seu mundo com pequenos tijolos, e ainda que alguns destes muros venham ao chão, os amigos o cumprimentam pelo esforço de criar olarias de barro, todas sólidas e visíveis. A mim també
É muito – esperar uma Hora – Se o Amor está logo ali perto – E é pouco – a Eternidade – Se ao fim o Amor é o prêmio certo. Emily Dickinson
Anfiguri Vinícius de Moraes Aquilo que eu ouso Não é o que quero Eu quero o repouso Do que não espero. Não quero o que tenho Pelo que custou Não sei de onde venho Sei para onde vou. Homem, sou a fera Poeta, sou um louco A mante, sou pai. Vida, quem me dera... Amor, dura pouco... Poesia, ai!...
O idílio suave Guilherme de Almeida Chegas. Vens tão ligeira e és tão ansiosamente esperada, que enfim, nem te sentindo o passo e já te tendo inteira, completamente em mim, quando, toda Watteau, silenciosa, apareces, é como se não viesses. Vens... E ficas tão perto de mim, e tão diluída em minha solidão, que eu me sinto sozinho e acho imenso e deserto e vazio o salão... E, sem te ouvir nem ver, arde-me em febre a face, como se eu te esperasse! Partes. Mas é tão pouco o que de ti se vai que ainda te vejo o arfar do seio, e o teu cabelo, e o teu vestido louco, e a carícia do olhar, e a tua boca em flor a dizer-me doidices, como se não partisses!
Dez chamamentos ao amigo Hilda Hilst Se te pareço noturna e imperfeita Olha-me de novo. Porque esta noite Olhei-me a mim, como se tu me olhasses. E era como se a água Desejasse Escapar de sua casa que é o rio E deslizando apenas, nem tocar a margem. Te olhei. E há tanto tempo Entendo que sou terra. Há tanto tempo Espero Que o teu corpo de água mais fraterno Se estenda sobre o meu. Pastor e nauta Olha-me de novo. Com menos altivez. E mais atento.
Sou jornalista por formação, mas minha praia é outra há algum tempo. Mesmo assim, coberturas boçais e irresponsáveis sobre sequestros de meninas ainda maltratam meus sonhos adolescentes, guardados lá no fundo, de mudar o mundo com uma reportagem.
Poética Manuel Bandeira . Estou farto do lirismo comedido Do lirismo bem comportado Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente protocolo e manifestações de apreço ao Sr. Diretor. Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o cunho vernáculo de um vocábulo. Abaixo os puristas . Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais Todas as construções sobretudo as sintaxes de excepção Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis . Estou farto do lirismo namorador Político Raquítico Sifilítico De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si mesmo De resto não é lirismo Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes maneiras de agradar às mulheres, etc. . Quero antes o lirismo dos loucos O lirismo dos bêbados O lirismo difícil e pungente dos bêbedos O lirismo dos clowns de Shakespeare . - Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.
Manoel de Barros . O poema é antes de tudo um inutensílio. Hora de iniciar algum convém se vestir de roupa de trapo. . Há quem se jogue debaixo de carro nos primeiros instantes. . Faz bem uma janela aberta. Uma veia aberta. . Pra mim é uma coisa que serve de nada o poema Enquanto vida houver . Ninguém é pai de um poema sem morrer
Não posso me resumir porque não se pode somar uma cadeira e duas maçãs. Eu sou uma cadeira e duas maçãs. E não me somo. Clarice Lispector.
Vou parar, prometo. Me deixem deslumbrada por ter Saramagos diários pelo menos por um tempinho, que depois eu juro que volto a ser diversificada. . O outro lado José Saramago . Como serão as coisas quando não estamos a olhar para elas? Esta pergunta, que cada dia me vem parecendo menos disparatada, fi-la eu muitas vezes em criança, mas só a fazia a mim próprio, não a pais nem professores porque adivinhava que eles sorririam da minha ingenuidade (ou da minha estupidez, segundo alguma opinião mais radical) e me dariam a única resposta que nunca me poderia convencer: “As coisas, quando não olhamos para elas, são iguais ao que parecem quando não estamos a olhar”. Sempre achei que as coisas, quando estavam sozinhas, eram outra coisas. Mais tarde, quando já havia entrado naquele período da adolescência que se caracteriza pela desdenhosa presunção com que julga a infância donde proveio, acreditei ter a resposta definitiva à inquietação metafísica que atormentara os meus tenros anos: pensei qu
Não é "estou postando um texto do Fer porque ele é meu marido". Na verdade, é "o Fer é meu marido porque escreve textos como o que estou postando agora". . O maravilhoso e incompreensível universo das mulheres . A lógica feminina é um ambiente impenetrável, inóspito, árido para nós, homens. O sucesso de um relacionamento ou da participação masculina em um relacionamento só pode se dar no momento em que essa pedra fundamental das interações intersexuais for compreendida e eternizada. Como um motorista que, dia após dia, enfrenta novas estradas sem nunca percorrê-las duas vezes, o homem deve se orientar por uma única baliza: não pode criar expectativas ou construir padrões que o ajudem a compreender o que está pela frente. . Cena 1 O homem, recém-casado, preocupa-se em organizar os itens que só ele pode resolver dentro da nova casa: instala pequenos equipamentos eletro-eletrônicos, usa sua nova furadeira, equilibra-se nos últimos degraus da escada de alumínio para ev
Não tem jeito de não postar. Ele me entende. . Teatro, tu és puro teatro Xico Sá. . D´onde tratamos do ator intenso, da atriz intensa, intensíssima. Do tipo que diz, durante o nhoque-permuta no restaurante, depois de mais um Rei Lear: “Eu respiro teatro”. Ao avistar um conhecido, alardeia, quebrando o sossego do recinto: “Ah, você ainda não foi me ver?!” O ator/atriz intensos não acreditam que uma só criatura possa deixar de vê-los em cena, embora a bilheteria muitas vezes teime em desapontá-los. Como ousam deixar de nos ver? Como irão passar sem aquela montagem imperdível de um Eurípedes, de um Ibsen, de um Tchecov, de um Shakespeare?... Clássico é clássico e vice-versa É, o artista intenso, esse animal dramático por excelência, não se envolve com qualquer comediazinha caça-níquel da praça. Nécaras. Para este tipo de gênio, só vale uma lei: “Clássico é clássico e vice-versa”, como na boutade ludopédica do atacante Jardel. O ator/atriz intensos guardam sempre um ar solene, um conteú
E aí que eu recebi uma ligação educada e despretensiosa me convidando para falar em um evento. Também educada e despretensiosamente, aceitei na hora. Agora, com o programa do evento em mãos, me vejo cercada de desembargador, juiz, secretário municipal, psicanalista (inclusive a minha!) e toda a sorte de gente foda e importante. Isso é pra eu aprender de vez que desejar é muito perigoso. Jesus, toma conta.
Sobre Fernando Pessoa José Saramago . Era um homem que sabia idiomas e fazia versos. Ganhou o pão e o vinho pondo palavras no lugar de palavras, fez versos como os versos se fazem, como se fosse a primeira vez. Começou por se chamar Fernando, pessoa como toda a gente. Um dia lembrou-se de anunciar o aparecimento iminente de um super-Camões, um camões muito maior que o antigo, mas, sendo uma pessoa conhecidamente discreta, que soía andar pelos Douradores de gabardina clara, gravata de lacinho e chapéu sem plumas, não disse que o super-Camões era ele próprio. Afinal, um super-Camões não vai além de ser um camões maior, e ele estava de reserva para ser Fernando Pessoas, fenómeno nunca visto antes em Portugal. Naturalmente, a sua vida era feita de dias, e dos dias sabemos nós que são iguais mas não se repetem, por isso não surpreende que em um desses, ao passar Fernando diante de um espelho, nele tivesse percebido, de relance, outra pessoa. Pensou que havia sido mais uma ilusão de óptica,
O Fer que me perdoe, mas eu sou apaixonada pelo Xico Sá. Completamente. . Para beijar a lona do amor e da sorte Xico Sá - Só não vou te perguntar se vens sempre aqui porque a casa inaugurou hoje. Acreditem, com esta abordagem lindamente ingênua, uma rápida e metalinguística variação do infrutífero clichechão “vens sempre aqui?”, mr. Abelha, um amigo que flana na noite de SP, despertou na gazela um daqueles sorrisos que muitos bacanas só conseguem em troca de um diamante, um presente da Tyffani´s ou 12 trabalhos de Hércules. Mr. Abelha não tem bala na agulha para bancar uma bonequinha de luxo, também não é um típico “maníaco do trechinho”, como chamamos aqueles supostos intelectuais que disparam duzentas citações e frases de efeito por minuto. Ele tem apenas a manha de fazer sorrir a mais existencialista das afilhadas de Jean-Paul Sartre. E isso é o que conta no primeiro momento, seja qual for o estilo do cavalheiro. Se o camarada não for lá, digamos assim, um gato, vai carecer ainda m
"Casal neuras", do Glauco (pra ver melhor, é só clicar na tirinha e ampliar).
O pai do filho da Cristiana Guerra, publicitária de BH, morreu dois meses antes de o menino nascer. Ela escreve coisas absurdamente lindas sobre a experiência louca de perder um amor, ganhar um filho e transmitir a ele um pai. Este texto eu posto pro Fer, que me deu bagagem pra entender o que ela diz. .. Valores Cristiana Guerra . De vez em quando ele fazia o carinho de colocar duas notas de cinqüenta no meu bolso, aliviando o meu fim de mês, mesmo que no próprio bolso sobrasse apenas uma. E ao ver minha expressão entre o alívio e a tristeza de chegar a esse ponto – não por ganhar pouco, mas por gastar muito –, citava a avó: "Senão o cachorro faz xixi no seu pé, amor." E assim ele me arrancava um sorriso. Também pude fazer por ele algumas vezes, e o fazia com prazer. No dinheiro também estava o amor. Um jeito bonito de misturar as coisas, preservando os desejos e escolhas do outro. Não era hoje eu, amanhã você, mas o correr natural dos gestos e a alegria de dar o amor na form
Hoje é dia de gente legal neste blog. Eu queria mandar um beijo pro meu pai, pra minha mãe e pra Carol C4! Leitores Vip aos montes! Beijos, mocinha, bom te ter por aqui.
Contribuição de leitor sempre me deixa feliz demais. Quem mandou esta foi a Carol - que já está ali na barra, em "Gente legal", porque ela é sempre fofa e ótima nos comentários. . “Ora, essas coisas psicanalíticas só são compreensíveis se forem relativamente completas e detalhadas, exatamente como a própria análise só funciona se o paciente descer das abstrações substitutivas até os ínfimos detalhes. Disso resulta que a discrição é incompatível com uma boa exposição sobre a psicanálise. É preciso ser sem escrúpulos, expor-se, arriscar-se, trair-se, comportar-se como o artista que compra tintas com o dinheiro da casa e queima os móveis para que o modelo não sinta frio. Sem alguma dessas ações criminosas não se pode fazer nada direito”. . Freud, 1910.
Dedução Maiakovski . Não acabarão nunca com o amor, nem as rusgas, nem a distância. Está provado, pensado, verificado. Aqui levanto solene minha estrofe de mil dedos e faço o juramento: Amo firme, fiel e verdadeiramente.