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Mostrando postagens de 2007
Esperança Vicente Augusto de Carvalho Só a leve esperança em toda a vida Disfarça a pena de viver, mais nada; Nem é mais a existência, resumida, Que uma grande esperança malograda. O eterno sonho da alma desterrada, Sonho que a traz ansiosa e embevecida, É uma hora feliz, sempre adiada E que não chega nunca em toda a vida. Essa felicidade que supomos, Árvore milagrosa, que sonhamos Toda arreada de dourados pomos, Existe, sim: mas nós não a alcançamos Porque está sempre apenas onde a pomos E nunca a pomos onde nós estamos.
Mulheres da minha vida.
Algunos poemas Pablo Neruda En un beso sabras todo lo que he callado. Cuando yo muerda un fruto tu sabras su delicia Me gusta oir tu voz que corre pura Como la voz del agua en movimiento. ...y desde entonces eres, soy y somos, y por amor sere, seras, seremos Quiero hacer contigo lo que la primavera hace con los cerezos
Delírio Olavo Bilac Nua, mas para o amor não cabe o pejo Na minha a sua boca eu comprimia. E, em frêmitos carnais, ela dizia: – Mais abaixo, meu bem, quero o teu beijo! Na inconsciência bruta do meu desejo Fremente, a minha boca obedecia, E os seus seios, tão rígidos mordia, Fazendo-a arrepiar em doce arpejo. Em suspiros de gozos infinitos Disse-me ela, ainda quase em grito: – Mais abaixo, meu bem! – num frenesi. No seu ventre pousei a minha boca, – Mais abaixo, meu bem! – disse ela, louca, Moralistas, perdoai! Obedeci....
A impontualidade do amor Martha Medeiros Você está sozinho. Você e a torcida do Flamengo. Em frente a tevê, devora dois pacotes de Doritos enquanto espera o telefone tocar. Bem que podia ser hoje, bem que podia ser agora, um amor novinho em folha. Trimmm! É sua mãe, quem mais poderia ser? Amor nenhum faz chamadas por telepatia. Amor não atende com hora marcada. Ele pode chegar antes do esperado e encontrar você numa fase galinha, sem disposição para relacionamentos sérios. Ele passa batido e você nem aí. Ou pode chegar tarde demais e encontrar você desiludido da vida, desconfiado, cheio de olheiras. O amor dá meia-volta, volver. Por que o amor nunca chega na hora certa? Agora, por exemplo, que você está de banho tomado e camisa jeans. Agora que você está empregado, lavou o carro e está com grana para um cinema. Agora que você pintou o apartamento, ganhou um porta-retrato e começou a gostar de jazz. Agora que você está com o coração às moscas e morrendo de frio. O amor aparece quando me
Uma tese é uma tese Mário Prata Sabe tese, de faculdade? Aquela que defendem? Com unhas e dentes? É dessa tese que eu estou falando. Você deve conhecer pelo menos uma pessoa que já defendeu uma tese. Ou esteja defendendo. Sim, uma tese é defendida. Ela é feita para ser atacada pela banca, que são aquelas pessoas que gostam de botar banca. As teses são todas maravilhosas. Em tese. Você acompanha uma pessoa meses, anos, séculos, defendendo uma tese. Palpitantes assuntos. Tem tese que não acaba nunca, que acompanha o elemento para a velhice. Tem até teses pós-morte. O mais interessante na tese é que, quando nos contam, são maravilhosas, intrigantes. A gente fica curiosa, acompanha o sofrimento do autor, anos a fio. Aí ele publica, te dá uma cópia e é sempre - sempre - uma decepção. Em tese. Impossível ler uma tese de cabo a rabo. São chatíssimas. É uma pena que as teses sejam escritas apenas para o julgamento da banca circunspecta, sisuda e compenetrada em si mesma. E nós? Sim, porque os
Tartaruga Manoel de Barros Desde a tartaruga nada não era veloz. Depois é que veio o forde 22 E o asa-dura (máquina avoadora que imita os passarinhos, e tem por alcunha avião). Não atinei até agora por que é preciso andar tão depressa. Até há quem tenha cisma com a lesma porque ela anda muito depressa. Eu tenho. A gente só chega no fim quando o fim chega! Então pra que atropelar?
Maiakovski Lábios cerrados, nem um grito soltará minha boca mordida até sangrar. Amarra-me a um cometa, como à cauda de um cavalo e chicoteia! Que meu corpo se estraçalhe nos dentes das estrelas.
Agendas Veríssimo Obrigado pelas agendas, gente. Não precisava tantas, mas tudo bem. Gosto de ganhar agendas. Elas trazem um ar de otimismo e confiança no futuro. E de certeza implícita que eu vou estar vivo e ativo pelo menos durante mais um ano – e um mês, já que todas incluem janeiro do ano seguinte. Obrigado pela força, gente. As agendas se dividem em dois tipos. As que existem simplesmente para nos organizarmos e não perdermos a hora, e só nos dizem a que dias da semana correspondem os dias do mês e, vá lá, quando cai o Carnaval, e as que nos tratam como recém-chegados ao mundo. Para essas, cada passagem de ano é um renascimento. Elas são nossos manuais de sobrevivência, com tudo de que precisamos saber sobre o Tempo e o Universo para nos situarmos neles no novo ano, com espaço para anotações. Já conhecemos o lugar, inclusive de outras agendas, mas não importa. As informações repetidas são uma forma de nos assegurar que tudo continua como era no ano passado e podemos recomeçar a v
Sim, é ela! Por enquanto... Está aberta a temporada de visitas.
Missão cumprida Leila Mícollis Eu sempre fico muito constrangida com quem conseguiu tudo na vida: uma grande barriga bem alimentada, um amante infiel, uma esposa comportada, carro do ano, filhos rebeldes ao seu jugo tirano, casa própria, emprego com crachá, um sítio em Visconde de Mauá, um ufanista amor pelo país tudo como manda o figurino (de Paris). E morrerá, cumprindo a sua parte, de tensão ou de enfarte, de repente, sem nem ao menos de longe perceber que podia ter sido diferente.
Sugestões de uma recém-casada. . Amor Arthur da Távola . Por mais que o poder e o dinheiro tenham conquistado uma ótima posição no ranking das virtudes, o amor ainda lidera com folga. Tudo o que todos querem é amar. Encontrar alguém que faça bater forte o coração e justifique loucuras. Que nos faça entrar em transe, cair de quatro, babar na gravata. Que nos faça revirar os olhos, rir à toa, cantarolar dentro de um ônibus lotado. Tem algum médico aí? Depois que acaba esta paixão retumbante, sobra o quê? O amor. Mas não o amor mistificado, que muitos julgam ter o poder de fazer levitar. O que sobra é o amor que todos conhecemos, o sentimento que temos por mãe, pai, irmão,filho. É tudo o mesmo amor, só que entre amantes existe sexo. Não existem vários tipos de amor, assim como não existem três tipos de saudades, quatro de ódio, seis espécies de inveja. O amor é único, como qualquer sentimento, seja ele destinado a familiares, ao cônjuge ou a Deus. A diferença é que, como entre marido e mu
Canção do Carcereiro Jacques Prevért Aonde vais belo carcereiro Com essa chave manchada de sangue Vou soltar aquela que amo Se ainda for possível E que tranquei Ternamente cruelmente No mais profundo do meu tormento Nas mentiras do futuro Nas bobagens das juras Quero soltá-la Quero que seja livre Até para me esquecer Até para ir-se embora Até para voltar E também para me amar Ou para amar um outro Se esse outro lhe agradar E se ficar um dia sozinho E ela só em idas Guardarei sempre Nas minhas duas mãos côncavas Até o fim dos dias A doçura dos seus seios modelados pelo amor.
O risco da meia da moça Inácio de Loyola Brandão Cedo ainda, pai e filha entraram na lanchonete deserta. O homem escolheu a mesa no canto, junto à janela. Magro, óculos de lentes espessas, parecia cansado. Indagou da menina: - O que você quer? - Chocolate. - E para comer? - Pão de queijo. E o senhor? - Acho que nada. Enquanto ela comia com lentidão, o pai olhava atento, como que preocupado. Havia um breve brilho de alegria nos olhos dele, talvez contentamento por estar com ela. No entanto, não parecia muito à vontade. A manhã de maio era límpida, fresca. (...) Ela tomou mais um pouco do chocolate, fazendo barulho com a boca. - Não faça isso, é feio. Coisa de gente mal-educada. - Sou bem-educada? - Ao menos, tenho tentado. Ele viu que o pão de queijo tinha sido devorado. Talvez a menina quisesse outro. Virou-se um pouco, tirou umas moedas do bolso, contou. - Quer outro pão de queijo? - Posso? - Por que não? - Outro dia, na padaria, comi um pão na chapa e você não comeu nada, estava sem
Ando sumida. É que na minha casa nova ainda não tem internet - lá só tem lareira, vela, cobertor quentinho, quintal com amora, jardim, noite fria, vinho, namoro, amigos (amigos, amigos, amigos). Daqui a pouco volto a ser cyber. Por enquanto, estou curtindo ser só feliz mesmo.
Bossa Nova para principiantes Edson Aran. Tenha mulheres! Praias! Barquinhos! 1 – Se você acha que amar é tolice, bobagem e ilusão é Bossa Nova. Se amar foi sua ruína é samba-canção. Se a ingrata deu pro Assum Preto, pro Pintassilgo e pro Ditão é música sertaneja. 2 – Se você acordou de amanhã se sentindo miserável não é Bossa Nova. É blues. 3 – Se a última fileira do teatro consegue te escutar não é Bossa Nova. Se a primeira também não escuta é show do Philip Glass. 4 – Se você vai à praia de tardinha para ver o barquinho é Bossa Nova. Se você só viu barcão, solzão, canção, campeão ou outra coisa terminada em “ão” é samba-enredo. Menos improvisação. Aí é jazz. 5 – Música com maçã, Iansã e febre terçã geralmente é coisa do Djavan. Mas se tiver pau, pedra e um resto de toco é o fim do caminho. 6 – Se você veio da Bahia, mas um dia ainda volta pra lá, a rodoviária fica logo ali. Valeu. 7 – Se você fica deprimido quando pensa no amor é Bossa Nova. Se você pensa no amor e fica deprimido é
Esta vida Guilherme de Almeida Um sábio me dizia: esta existência, não vale a angústia de viver. A ciência, se fôssemos eternos, num transporte de desespero inventaria a morte. Uma célula orgânica aparece no infinito do tempo. E vibra e cresce e se desdobra e estala num segundo. Homem, eis o que somos neste mundo. Assim falou-me o sábio e eu comecei a ver dentro da própria morte, o encanto de morrer. Um monge me dizia: ó mocidade, és relâmpago ao pé da eternidade! Pensa: o tempo anda sempre e não repousa; esta vida não vale grande coisa. Uma mulher que chora, um berço a um canto; o riso, às vezes, quase sempre, um pranto. Depois o mundo, a luta que intimida, quadro círios acesos : eis a vida Isto me disse o monge e eu continuei a ver dentro da própria morte, o encanto de morrer. Um pobre me dizia: para o pobre a vida, é o pão e o andrajo vil que o cobre. Deus, eu não creio nesta fantasia. Deus me deu fome e sede a cada dia mas nunca me deu pão, nem me deu água. Deu-me a vergonha, a inf
À vida Florbela Espanca Ém vão o amor, o ódio, ou o desdém; Inútil o desejo e o sentimento... Lançar um grande amor aos pés de alguém O mesmo é que lançar flores ao vento! Todos somos no mundo "Pedro Sem", Uma alegria é feita dum tormento, Um riso é sempre o eco dum lamento, Sabe-se lá um beijo de onde vem! A mais nobre ilusão morre... desfa-se... Uma saudade morta em nós renasce Que no mesmo momento é já perdida... Amar-te a vida inteira eu não podia, A gente esquece sempre o bom de um dia. Que queres, meu Amor, se é isto a vida!
Do blog da minha irmã. Amor. . It just so happen that life chose them for me. But if I was given the chance I would be like "I want that dark-skinned one with the thick eyebrows and a hole on his chin, and that short one with a funny nose. Thanks."
Um dos mais lindos do mundo: Álvaro de Campos Quando eu não te tinha Amava a natureza como um monge calmo a Cristo... Agora amo a natureza como um monge calmo a Virgem Maria... Religiosamente, a meu modo, como antes, Mas de outra maneira, mais comovida e mais próxima... Vejo melhor os rios quando vou contigo Pelos campos à beira dos rios; Sentado a teu lado reparando nas nuvens Reparo nelas melhor... Tu não me tiraste a natureza... Tu mudaste a Natureza... Trouxeste a Natureza para o pé de mim. Por tu me amares, amo-a do mesmo modo, mas mais, Porque tu me escolhestes para te ter e te amar, Os meus olhos fitaram-na mais demoradamente Sobre todas as coisas. Não me arrependo do que fui outrora Porque ainda o sou...
É a dúvida da Dri de lá , mas também desta Dri daqui: Dúvida Como pude conviver com o joio por tanto tempo? Me explica, Dri. Eu também preciso que alguém me explique (de qualquer forma, que bom ter alguém com a mesma dúvida pra me assegurar da minha lucidez!).
Apetite sem esperança Elisa Lucinda Mãe eu tô com fome eu dizia eu gritava eu mugia minha vó zangada respondia você não está morrendo e nem tem fome Você tem é apetite Você sabe que vai comer, aonde comer, o quê vai comer. Fome não! A fome, minha neta, a fome, meu irmão, a fome, minha criança, é um apetite sem esperança. Quando há certeza de cereais, toalhas americanas, guardanapos e alegrias da coca-colândia não há fome de verdade. Minha vó já dizia pra mim um futuro de Brasil. Minha vó nem viu edifício crescer no lugar de pão no lugar de trigo nem viu criança com infância de semáforo vendendo mariola barata, criança que mata porque seu quintal tá sempre no vermelho criança cujo ralado de joelho dói menos do que o não morar, não existir, não contar com a fome tenaz Não há tenaz na escola há só a cola de cheirar a dor doída de um monstro estômago a roncar um animal doído dentro do corpo a uivar todo dia, sem boa vista, sem quinta zoológica onde morar Com a fome das crianças brasileiras
Clarice Lispector Mas há a vida que é para ser intensamente vivida, há o amor. Que tem que ser vivido até a última gota. Sem nenhum medo. Não mata.
Moda da menina trombuda Cecília Meireles É a moda da menina muda da menina trombuda que muda de modos e dá medo. (A menina mimada!) É a moda da menina muda que muda de modos e já não é trombuda. (A menina amada!)
C. D. Andrade A língua lambe as pétalas vermelhas da rosa pluriaberta; a língua lavra certo oculto botão, e vai tecendo lépidas variações de leves ritmos. E lambe, lambilonga, lambilenta, a licorina gruta cabeluda, e, quanto mais lambente, mais ativa, atinge o céu do céu, entre gemidos, entre gritos, balidos e rugidos de leões na floresta, enfurecidos.
Mais Camões, porque é o máximo e porque o Cadu, leitor VIP, adora: Busque Amor novas artes, novo engenho Para matar-me, e novas esquivanças, Que não pode tirar-me as esperanças, Que mal me tirará o que eu não tenho. Olhai de que esperanças me mantenho! Vede que perigosas seguranças! Que não temo contrastes nem mudanças, Andando em bravo mar, perdido o lenho. Mas, conquanto não pode haver desgosto Onde esperança falta, lá me esconde Amor um mal, que mata e não se vê, Que dias há que na alma me tem posto Um não sei quê, que nasce não sei onde, Vem não sei como e dói não sei porquê.
Camões Tanto de meu estado me acho incerto, que em vivo ardor tremendo estou de frio; sem causa, juntamente choro e rio, o mundo todo abarco e nada aperto. É tudo quanto sinto, um desconserto; da alma um fogo me sai, da vista um rio; agora espero, agora desconfio, agora desvario, agora acerto. Estando em terra, chego ao Céu voando, numa hora acho mil anos, e é de jeito que em mil anos não posso achar uma hora. Se me pergunta alguém porque assim ando, respondo que não sei; porém suspeito que só porque vos vi, minha Senhora.
Não sei se já postei aqui, mas valeria postar mil vezes. Sou completamente apaixonada por ele. Ana Cristina César Acreditei que se amasse de novo esqueceria outros pelo menos três ou quatro rostos que amei Num delírio de arquivística organizei a memória em alfabetos como quem conta carneiros e amansa no entanto flanco aberto não esqueço e amo em ti os outros rostos
A asma do amor. De Xico Sá. Amigas, não há mais dúvidas: quanto mais beira o verossímil, com gritos lancinantes na noite, como assimilamos do cinema, mais fingido é o tal do orgasmo. Nunca é condizente com a nossa performance e suor. Os melhores e mais recompensadores orgasmos guardam o bom preceito da educação dos gemidos. Por mais megalomaníaco que seja Vossa Senhoria, recomendo que não acredite naquelas algazarras, feiras amorosas, sacolões do sexo, capazes de fazer os vizinhos pularem da cama só de inveja. Aquela gritaria toda, meu caro, só vale para provocar um problema dos mais graves. Deixará o casal que mora do outro lado da parede em pé de guerra, uma vez que a mulher, atenta à lição de gozo comparado, vai exigir mais, muito mais, mais e mais, e mais um pouquinho ainda, do seu colega de prédio ou de rua. E o pior é que os gritos lancinantes só costumam ocorrer quando o gozo não passa de teatro, puro teatro, falsidade ensaiada, estudiado simulacro, como canta a deusa La Lupe. O
Epitáfio para o século XX Afonso Romano de Sant’anna 1.Aqui jaz um século onde houve duas ou três guerras mundiais e milhares de outras pequenas e igualmente bestiais. 2.Aqui jaz um século onde se acreditou que estar à esquerda ou à direita eram questões centrais. 3.Aqui jaz um século que quase se esvaiu na nuvem atômica. Salvaram-no o acaso e os pacifistas com sua homeopática atitude -nux vômica. 4.Aqui jaz o século que um muro dividiu. Um século de concreto armado, canceroso, drogado,empestado, que enfim sobreviveu às bactérias que pariu. 5.Aqui jaz um século que se abismou com as estrelas nas telas e que o suicídio de supernovas contemplou. Um século filmado que o vento levou. 6.Aqui jaz um século semiótico e despótico, que se pensou dialético e foi patético e aidético. Um século que decretou a morte de Deus, a morte da história, a morte do homem, em que se pisou na Lua e se morreu de fome. 7.Aqui jaz um século que opondo classe a classe quase se desclassificou. Século cheio de anát
A filha da antiga lei Adélia Prado Deus não me dá sossego. É meu aguilhão. Morde meu calcanhar como serpente, faz-se verbo, carne, caco de vidro, pedra contra a qual sangra a minha cabeça. Eu não tenho descanso neste amor. Eu não posso dormir sob a luz do Seu olho que me fixa. Quero de novo o ventre de minha mãe, sua mão espalmada contra o umbigo estufado, me escondendo de Deus.
"O bonde partiu. Na esquina estava não menos que o Dr. Osório sem olhos, porque ela os levava arrastados no bonde em que ia; foi o que concluí da cegueira com que não me viu passar por ele... ". Memorial de Aires, Machado de Assis
Pela Maria da Penha Ruy Castro Um juiz de Sete Lagoas, MG, freqüentou o noticiário esta semana por declarar "inconstitucional" a Lei Maria da Penha, que protege a mulher contra as agressões do marido ou companheiro. Segundo o juiz, a lei é absurda porque transforma o homem num "tolo", num subjugado "sem autoridade". Diz também o juiz que a desgraça humana começou no Éden, quando Eva tentou Adão. E acrescenta: "O mundo é masculino! A idéia que temos de Deus é masculina! Jesus era homem!". Peço vênia para discordar. Para mim, o episódio da maçã marcou muito mais a possibilidade de redenção do homem que de sua maldição. Pelo menos, deu um sentido à sua vida: pecar. E não entendo a empolgação do magistrado pelo gênero masculino. Ao contrário, acho que o homem só faz o que faz -constrói submarinos, promove guerras, levanta cidades, pinta capelas, compõe baiões ou escreve "Memórias de um Sargento de Milícias"- para se compensar pelo fato de
[...] o olhar é um furo, o Outro é cego por ser inconsistente e o olhar é uma faísca, um fulgor, um relâmpago que se acende num instante, como o fogo de artifício, o brilho de uma jóia eternizando o desejo, o belo desejo, o desejo escópico. [...] QUINET, Antonio. "Um olhar a mais: ver e ser visto na psicanálise". Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2002.
The killers. De Tati Bernardi ( http://blonicas.zip.net/ ) Sempre que uma situação começa a ficar boa ou simplesmente começa, solto minhas frasezinhas bombas. Não sei se com isso quero realmente foder a minha vida ou me proteger de me foder. Acho que segundos antes de explodir tudo, penso assim: se eu falar a frase mais errada do mundo, só os realmente fortes sobreviverão. O que eu não percebo é que no começo de alguma coisa, ninguém ainda é realmente forte para agüentar minhas frasezinhas bombas. (...) Dentre as minhas frasezinhas bombas tenho três prediletas “to morrendo de saudades de você”, “a vida sem amor é uma merda” e “você me dá pouca atenção”. (...) É o jeito que arrumei de me rebelar contra essa hipocrisia masculina. Eles podem dormir na casa da gente, enfiar o pauzinho no meio das pernas da gente, pedir uma torradinha com requeijão de manhã, mijar pra fora do nosso vaso, contar a vida deles e pedir mais carinho nas costas. Mas não suportam ouvir no dia seguinte um simples “
A hora íntima Vinícius de Moraes Quem pagará o enterro e as flores Se eu morrer de amores? Quem, dentre amigos, tão amigo Para estar no caixão comigo? Quem, em meio ao funeral Dirá para mim: - Nunca fez mal... Quem, bêbado, chorará em voz alta De não ter trazido nada? Quem virá despetalar pétalas Do meu túmulo de poeta? Quem jogará timidamente Na terra um grão de semente? Quem elevará o olhar covarde Até a estrela da tarde? Quem me dirá palavras mágicas Capazes de empalidecer o mármore? Quem, oculta em véus escuros Se crucificará nos muros? Quem, macerada de desgosto Sorrirá: - Rei morto, rei posto... Quantas, debruçadas sobre o báratro Sentirão as dores do parto? Qual a que, branca de receio Tocará o botão do seio? Quem, louca, se jogará de bruços A soluçar tantos soluços Que há de despertar receios? Quantos, os maxilares contraídos O sangue a pulsar nas cicatrizes Dirão: - Foi doido amigo. Quem, criança, olhando a terra Observará um ar de critério? Quem, em circunstância oficial Há d
A um otimista Augusto de Lima Pensas que são inteiramente nossos nossos corpos de argila ? Não no creias. Para reter a vida, em vão anseias: dela não guardarás sequer destroços. Não tens, fingido herdeiro de colossos, destinado a guardar coisas alheias, nem o sangue que corre em tuas veias, nem a sutil medula de teus ossos. Uma voz noutra voz reproduzida, reproduzindo antiga voz perdida, o eco responde à voz — eco também... Ris-te da sombra que refletes ? Ri-se também de ti a sombra: — quem te disse que não és — olha atrás! — sombra de alguém?
Sonnet 36 William Shakespeare Let me confess that we two must be twain, Although our undivided loves are one. So shall those blots that do with me remain, Without thy help by me be borne alone. In our two loves there is but one respect, Though in our lives a separable spite, Which though it alter not love's sole effect, Yet doth it steal sweet hours from love's delight. I may not evermore acknowledge thee, Lest my bewailed guilt should do thee shame; Nor thou with public kindness honour me, Unless thou take that honour from thy name. But do not do so. I love thee in such sort As, thou being mine, mine is thy good report.
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Adoro tudo aí: o texto, o autor e, principalmente, as lembranças: . . (...) É muito difícil dizer, mas de uns anos pra cá sei que só funciono quando bebo; sem beber é melhor ficar sozinho. Só bêbado consigo dizer a quem amo que amo, e sei que amo mais mesmo depois de beber; não que não ame antes, mas estrago tudo sóbrio... À tarde ela me ligou e insistiu, eu não quis, e não queria mesmo, era muito esforço. A verdade é que ele ama tanto que não dá conta; bêbado dá e diz, e faz. Bêbado abro os braços e digo que amo; na maioria das vezes nem sabem que estou bêbado e as coisas funcionam, a vantagem, poucas pessoas sabem quando já bebi. Noutro dia estava com ela tomando meio copo, daqueles de requeijão, pinga branca e Joanna pensou que era água, andava tudo certo. Sei que pensou que era água porque senão teria me xingado bem antes de sentir o meu hálito quando foi me dar um beijo. Tinha ido à adega dela sem ela ver (...). . Mario H. Teixeira (que bom que você anda por aqui).
Ganhei um presentão . Nenhuma data especial. Presente de amigo, mesmo. Muitos corações, Nando. Que bom que eu conheci você. E q ue bom que as coisas andam tão certas nesta vida tão doida.
Pablo Neruda Não te amo como se fosse rosa de sal, topázio ou flecha de cravos que propagam o fogo: te amo secretamente, entre a sombra e a alma. Te amo como a planta que não floresce e leva dentro de si, oculta, a luz daquelas flores, e graças a teu amor vive escuro em meu corpo o apertado aroma que ascender da terra. Te amo sem saber como, nem quando, nem onde, te amo diretamente sem problemas nem orgulho: assim te amo porque não sei amar de outra maneira, senão assim deste modo em que não sou nem és tão perto que a tua mão sobre meu peito é minha tão perto que se fecham teus olhos com meu sonho.
Safena Elisa Lucinda Sabe o que é um coração amar ao máximo de seu sangue? Bater até o auge de seu baticum? Não, você não sabe de jeito nenhum. Agora, chega. Reforma no meu peito! Pedreiros, pintores, raspadores de mágoas aproximem-se! Rolos, rolas, tinta, tijolo comecem a obra! Por favor, mestre de Horas Tempo, meu fiel carpinteiro comece, você primeiro passando verniz nos móveis e vamos tudo de novo do novo começo. Iansã, Oxum, Afrodite, Vênus e Nossa Senhora apertem os cintos Adeus ao sinto muito do meu jeito Pitos ventres pernas aticem as velas que lá vou de novo na solteirice exposta ao mar da mulatice à honra das novas uniões Vassouras, rodos, águas, flancas e cercas Protejam as beiras lustrem as superfícies aspirem os tapetes Vai começar o banquete de amar de novo Gatos, heróis, artistas, príncipes e foliões Façam todos suas inscrições. Sim, vestirei vermelho carmim escarlate O homem que hoje me amar Encontrará outro lá dentro. Pois que o mate.
Deixa o olhar do mundo - X Olavo Bilac Deixa que o olhar do mundo enfim devasse Teu grande amor que é teu maior segredo! Que terias perdido, se, mais cedo, Todo o afeto que sentes se mostrasse? Basta de enganos! Mostra-me sem medo Aos homens, afrontando-os face a face: Quero que os homens todos, quando eu passe, Invejosos, apontem-me com o dedo. Olha: não posso mais! Ando tão cheio Deste amor, que minh'alma se consome De te exaltar aos olhos do universo... Ouço em tudo teu nome, em tudo o leio: E, fatigado de calar teu nome, Quase o revelo no final de um verso.
Nossa doce rotina Milly Lacombe. . Eu digo que te amo. Você me pergunta, deitada em mim, sorrindo aquele sorriso que é só seu – e, em meus devaneios egocêntricos, também meu – por que. E são tantos os motivos que eu não sou capaz organizá-los em uma lista, como pede sua apaixonante sensatez. Ainda mais quando sou desafiada por esse tal sorriso que desarma – e, na seqüência, arma. Ainda mais quando tenho você em mim, só para mim, mais minha do que jamais alguém foi – cabelos descansando sobre o meu peito, mãos passeando pelo meu corpo, olhos vasculhando minha alma. Como raciocinar com um barulho desses? Então, para seu entretenimento, e para manter esse sorriso me olhando, vou jogando motivos no universo, sem método ou lógica. Mas, sozinha no silêncio do meu quarto, pensando em você, e nos motivos que me levam a te amar desse jeito tão puro, tão forte, tão sincero, fica muito fácil responder. Eu te amo porque você chegou sorrateira, como quem não quer nada, mas vestida desse sorriso qu
O cinema faz 100 anos Millôr Fernandes (I) Um simples fósforo ilumina uma sala do tamanho do Maracanã. (II) Todo carro que bate explode imediatamente. (III) Mesmo dirigindo a 200 numa estrada perfeitamente reta, quem guia vira sempre fortemente o volante pra direita e pra esquerda, ignorando a reta e a direção hidráulica. (IV) Em qualquer perseguição de automóvel os perseguidores encontram facilmente uma vaga exatamente no local em que os bandidos saltaram. (V) Numa casa apavorante, as heroínas, devidamente aterrorizadas, sempre vão atrás dos ruídos noturnos vestidas em camisola que lhes deixa à mostra todo o permitido. (VI) Telas de computador nunca exibem cursores. Dizem logo ENTRE. E em seguida SENHA. (VII) Ninguém, em cafés, restaurantes, ou em casa, come tudo que tem no prato. Exceção para filmes italianos. (VIII) Os camponeses medievais sempre têm dentes perfeitos apesar de a odontologia nem ter sido inventada. (IX) Todas as bombas vêm com numerais bem visíveis, de modo que o moc
A despedida do amor Martha Medeiros Existem duas dores de amor. A primeira é quando a relação termina e a gente, seguindo amando, tem que se acostumar com a ausência do outro, com a sensação de rejeição e com a falta de perspectiva, já que ainda estamos tão envolvidos que não conseguimos ver luz no fim do túnel. A segunda dor é quando começamos a vislumbrar a luz no fim do túnel. Você deve achar que eu bebi. Se a luz está sendo vista, adeus dor, não seria assim? Mais ou menos. Há, como falei, duas dores. A mais dilacerante é a dor física da falta de beijos e abraços, a dor de virar desimportante para o ser amado. Mas quando esta dor passa, começamos um outro ritual de despedida: a dor de abandonar o amor que sentíamos. A dor de esvaziar o coração, de remover a saudade, de ficar livre, sem sentimento especial por ninguém. Dói também. Na verdade, ficamos apegados ao amor tanto quanto à pessoa que o gerou. Muitas pessoas reclamam por não conseguir se desprender de alguém. É que, sem se da
O primeiro foi a Marina que me ensinou - eu aprendi e amei. O segundo é o meu preferido dele - tomara que ela goste. Aprendizado Ferreira Gullar Do mesmo modo que te abriste à alegria abre-te agora ao sofrimento que é fruto dela e seu avesso ardente. Do mesmo modo que da alegria foste ao fundo e te perdeste nela e te achaste nessa perda deixa que a dor se exerça agora sem mentiras nem desculpas e em tua carne vaporize toda ilusão que a vida só consome o que a alimenta. *** Cantiga para não morrer Ferreira Gullar Quando você for se embora, moça branca como a neve, me leve. Se acaso você não possa me carregar pela mão, menina branca de neve, me leve no coração. Se no coração não possa por acaso me levar, moça de sonho e de neve, me leve no seu lembrar. E se aí também não possa por tanta coisa que leve já viva em seu pensamento, menina branca de neve, me leve no esquecimento.
A verdadeira arte de viajar Mário Quintana A gente sempre deve sair à rua como quem foge de casa, Como se estivessem abertos diante de nós todos os caminhos do mundo. Não importa que os compromissos, as obrigações, estejam ali... Chegamos de muito longe, de alma aberta e o coração cantando!
Atendendo a pedidos: Não-coisa Ferreira Gullar O que o poeta quer dizer no discurso não cabe e se o diz é pra saber o que ainda não sabe. Uma fruta uma flor um odor que relume... Como dizer o sabor, seu clarão seu perfume? Como enfim traduzir na lógica do ouvido o que na coisa é coisa e que não tem sentido? A linguagem dispõe de conceitos, de nomes mas o gosto da fruta só o sabes se a comes só o sabes no corpo o sabor que assimilas e que na boca é festa de saliva e papilas invadindo-te inteiro tal do mar o marulho e que a fala submerge e reduz a um barulho, um tumulto de vozes de gozos, de espasmos, vertiginoso e pleno como são os orgasmos No entanto, o poeta desafia o impossível e tenta no poema dizer o indizível: subverte a sintaxe implode a fala, ousa incutir na linguagem densidade de coisa sem permitir, porém, que perca a transparência já que a coisa é fechada à humana consciência. O que o poeta faz mais do que mencioná-la é torná-la aparência pura — e iluminá-la. Toda coisa tem pe
Sexta-feira à noite Marina Colassanti Sexta-feira à noite os homens acariciam o clitóris das esposas com dedos molhados de saliva. O mesmo gesto com que todos os dias contam dinheiro papéis documentos e folheiam nas revistas a vida dos seus ídolos. Sexta-feira à noite os homens penetram suas esposas com tédio e pênis. O mesmo tédio com que todos os dias enfiam o carro na garagem o dedo no nariz e metem a mão no bolso para coçar o saco. Sexta-feira à noite os homens ressonam de borco enquanto as mulheres no escuro encaram seu destino e sonham com o príncipe encantado.
Na boca Manuel Bandeira Sempre tristíssimas estas cantigas de carnaval Paixão Ciúme Dor daquilo que não se pode dizer Felizmente existe o álcool na vida E nos três dias de carnaval éter de lança-perfume Quem me dera ser como o rapaz desvairado! O ano passado ele parava diante das mulheres bonitas E gritava pedindo o esguicho de cloretilo: Na boca! Na boca! Umas davam-lhe as costas com repugnância Outras porém faziam-lhe a vontade. Ainda existem mulheres bastante puras para fazer vontade aos viciados Dorinha meu amor... Se ela fosse bastante pura eu iria agora gritar-lhe como o outro: - Na boca! Na boca!
Infantil Manoel de Barros O menino ia no mato E a onça comeu ele. Depois o caminhão passou por dentro do corpo do menino E ele foi contar para a mãe. A mãe disse: Mas se a onça comeu você, como é que o caminhão passou por dentro do seu corpo? É que o caminhão só passou renteando meu corpo E eu desviei depressa. Olha, mãe, eu só queria inventar uma poesia. Eu não preciso de fazer razão.
Parece estar de férias, parece hotel-fazenda, parece pousada romântica, parece cidade do interior, parece feriado prolongado, parece fim de semana em lugar legal, parece spa, parece lua-de-mel. É a minha casa. Parece mentira.
A Mari é linda, doce, rara e amiga. Minha amiga. Orgulho gigante aqui. . Uma menina feita de José Mariana Clark (do livro "Menina feita de José", ed. Armazém de Idéias, 2007). Foi como o dia em que te conheci e que tudo era muito recente. Minhas mãos, meus olhos, meu nariz colorido de tinta. Você era aquele senhor por vezes doce, por vezes duro, assim como foram também as pessoas que amei depois de você. Foram seus olhos que primeiro me viram e também te vi, é certo que sim, mas não sabia ainda o que era você ou o que era o mundo. E assim, menina medrosa que fui sempre, cresci. Cresci vendo os anos passando muito mais rápido para você do que para mim. Vieram a bengala e os sapatos que não escorregam, enquanto eu queria correr descalça, eu queria alcançar o mundo. Você me mostrou as rosas, os jardins, me chamou de menina, me disse bonita, me disse levada. Não gostava de mim todas as horas. Aprendi com você, então, que paciência não tinha a ver com o amor. O amor era outra coi
Maiakovski Brilhar pra sempre Brilhar como um farol Brilhar com brilho eterno Gente é pra brilhar Que tudo o mais vá pro inferno Esse é o meu slogan E o do sol
Lygia Fagundes Telles “O homem é tão necessariamente louco que não ser louco representaria uma outra forma de loucura”, escreveu Pascal. Deve ter pensado nisso a psiquiatra Karen Horney quando fez uma lista dos sintomas básicos da neurose, uma lista enorme, dela quase ninguém escapa. A loucura no cardápio. Basta ler e apontar, esta é minha. Selecionei as neuroses mais comuns e que podem nos levar além da fronteira convencionada: necessidade neurótica de agradar os outros. Necessidade neurótica de poder. Necessidade neurótica de explorar os outros. Necessidade neurótica de realização pessoal. Necessidade neurótica de despertar piedade. Necessidade neurótica de perfeição e inatacabilidade. Necessidade neurótica de um parceiro que se encarregue da sua vida – ô Deus! – mas desta última necessidade só escapam mesmo os santos. E algumas feministas mais radicais. Tão difícil a vida e o seu ofício. E ninguém ao lado para receber a totalidade (ou parte) do fardo. Os analistas, caríssimos, e na
A bola L. Fernando Veríssimo O pai deu uma bola de presente ao filho. Lembrando o prazer que sentira ao ganhar a sua primeira bola do pai. Uma número 5 sem tento oficial de couro. Agora não era mais couro, era de plástico. Mas era uma bola. O garoto agradeceu, desembrulhou a bola e disse "Legal!" Ou o que os garotos dizem hoje em dia quando gostam do presente ou não querem magoar o velho. Depois começou a girar a bola, à cura de alguma coisa. - Como é que liga? - perguntou - Como, como é que liga? Não se liga. O garoto procurou dentro do papel de embrulho. - Não tem manual de instrução? O pai começou a desanimar e a pensar que os tempos são outros. Que os tempos são decididamente outros. - Não precisa manual de instrução. - O que é que ela faz? - Ela não faz nada. Você é que faz coisas com ela. - O quê? - Controla, chuta... - Ah, então é uma bola. - Claro que é uma bola. - Uma bola, bola. Uma bola mesmo. - Você pensou que fosse o quê? - Nada, não. O garoto agradeceu, disse &q
Quem quiser pode chegar: no Retiro das Pedras. . Nunca tão feliz.
Engorda Leila Míccolis Ilusões para os aflitos para a mulher, segurança, para a casa, samambaias; consolo para os doentes, conselhos aos desgarrados, aos leitos de amor, cambraias. Sorvete para as crianças, esmolas para os famintos, para os turistas as praias; para os homens, futebol, televisão para todos e alface para as cobaias.
"Comentário nada anônimo para o post anterior" ou "Porque eu amo a minha irmã": Ana B. disse... Voce nao consegue descrever o Severino com suas proprias palavras? 4:45 PM Gargalhadas aqui. Muitas.
Morte e vida severina João Cabral de Mello Neto O RETIRANTE EXPLICA AO LEITOR QUEM É E A QUE VAI - O meu nome é Severino, como não tenho outro de pia. Como há muitos Severinos, que é santo de romaria, deram então de me chamar Severino de Maria; como há muitos Severinos com mães chamadas Maria, fiquei sendo o da Maria do finado Zacarias. Mais isso ainda diz pouco: há muitos na freguesia, por causa de um coronel que se chamou Zacarias e que foi o mais antigo senhor desta sesmaria. Como então dizer quem falo ora a Vossas Senhorias? Vejamos: é o Severino da Maria do Zacarias, lá da serra da Costela, limites da Paraíba. Mas isso ainda diz pouco: se ao menos mais cinco havia com nome de Severino filhos de tantas Marias mulheres de outros tantos, já finados, Zacarias, vivendo na mesma serra magra e ossuda em que eu vivia. Somos muitos Severinos iguais em tudo na vida: na mesma cabeça grande que a custo é que se equilibra, no mesmo ventre crescido sobre as mesmas pernas finas e iguais também p
Café da manhã Jacques Prevért Pôs café na xícara Pôs leite na xícara com café Pôs açúcar no café com leite Com a colherzinha mexeu Bebeu o café com leite E pôs a xícara no pires Sem me falar acendeu um cigarro Fez círculos com a fumaça Pôs as cinzas no cinzeiro Sem me falar Sem me olhar Levantou-se Pôs o chapéu na cabeça Vestiu a capa de chuva porque chovia E saiu debaixo da chuva Sem uma palavra Sem me olhar Quanto a mim pus a cabeça entre as mãos E chorei.
A rainha careca Hilda Hilst De cabeleira farta de rígidas ombreiras de elegante beca Ula era casta Porque de passarinha Era careca. À noite alisava O monte lisinho Co'a lupa procurava Um tênue fiozinho Que há tempos avistara. Ó céus! Exclamava. Por que me fizeram Tão farta de cabelos Tão careca nos meios?E chorava. Um dia... Passou pelo reino Um biscate peludo Vendendo venenos. (Uma gota aguda Pode ser remédio Pra uma passarinha De rainha.) Convocado ao palácio Ula fez com que entrasse No seu quarto. Não tema, cavalheiro, Disse-lhe a rainha Quero apenas pentelhos Pra minha passarinha. Ó Senhora! O biscate exclamou. É pra agora!E arrancou do próprio peito Os pêlos E com saliva de ósculos Colou-os Concomitantemente penetrando-lhe os meios. UI! UI! UI! gemeu Ula De felicidade Cabeluda ou não Rainha ou prostituta Hei de ficar contigo A vida toda! Evidente que aos poucos Despregou-se o tufo todo. Mas isso o que importa? Feliz, mui contentinha A Rainha Ula já não chora. Moral da estória:
Essa que eu hei de amar Guilherme de Almeida Essa que eu hei de amar perdidamente um dia será tão loura, e clara, e vagarosa, e bela, que eu pensarei que é o sol que vem, pela janela, trazer luz e calor a essa alma escura e fria. E quando ela passar, tudo o que eu não sentia da vida há de acordar no coração, que vela… E ela irá como o sol, e eu irei atrás dela como sombra feliz… — Tudo isso eu me dizia, quando alguém me chamou. Olhei: um vulto louro, e claro, e vagaroso, e belo, na luz de ouro do poente, me dizia adeus, como um sol triste… E falou-me de longe: "Eu passei a teu lado, mas ias tão perdido em teu sonho dourado, meu pobre sonhador, que nem sequer me viste!"
Anônimo, ser encantado pelas palavras não quer dizer, necessariamente, querer se expor publicamente com elas. O intuito deste blog é reunir o que considero bom e quero dividir com outras pessoas - o que não inclui textos de minha autoria ou comentários sobre a minha vida e, principalmente, sobre meus amores. Sempre achei que saber não dizer era mais difícil do que saber dizer. Volte sempre! Dri ps: seu comentário me fez até querer responder com as minhas próprias palavras! =)