Voltas para casa Ferreira Gullar Depois de um dia inteiro de trabalho voltas para casa, cansado. Já é noite em teu bairro e as mocinhas de calças compridas desceram para a porta após o jantar. Os namorados vão ao cinema. As empregadas surgem das entradas de serviço. Caminhas na calçada escura. Consumiste o dia numa sala fechada, lidando com papéis e números. Telefonaste, escreveste, irritações e simpatias surgiram e desapareceram no fluir dessas horas. E caminhas, agora, vazio, como se nada acontecera. De fato, nada te acontece, exceto talvez o estranho que te pisa o pé no elevador e se desculpa. Desde quando tua vida parou? Falas dos desastres, dos crimes, dos adultérios, mas são leituras de jornal. Fremes ao pensar em certo filme que viste: a vida, a vida é bela! A vida é bela mas não a tua. Não a de Pedro, de Antônio, de Jorge, de Júlio, de Lúcia, de Míriam, de Luísa... Às vezes pensas com nostalgia nos anos de guerra, o horizonte de pólvora, o cabrito. Mas a guerra agora é outra. C...