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Ainda é o melhor que eu já li sobre namorados. Afinal, hoje é 12 de junho.
(Ao meu namorado, o de sempre e o mais verdadeiro: eu te amo).

Aos namorados do Brasil
Carlos Drummond de Andrade

Dai-me, Senhor, assistência técnica para eu falar aos namorados do Brasil.

Será que namorado algum escuta alguém? Adianta falar a namorados? E será que tenho coisas a dizer-lhes que eles não saibam, eles que transformam a sabedoria universal em divino esquecimento? Adianta-lhes, Senhor, saber alguma coisa, quando perdem os olhos para toda paisagem, perdem os ouvidos para toda melodia e só vêem, só escutam melodia e paisagem de sua própria fabricação?

Cegos, surdos, mudos - felizes! - são os namorados enquanto namorados. Antes, depois são gente como a gente, no pedestre dia-a-dia. Mas quem foi namorado sabe que outra vez voltará à sublime invalidez que é signo de perfeição interior. Namorado é o ser fora do tempo, fora de obrigação e CPF, ISS, IFP, PASEP, INPS. Os códigos, desarmados, retrocedem de sua porta, as multas envergonham-se de alvejá-lo, as guerras, os tratados internacionais encolhem o rabo diante dele, em volta dele. O tempo, afiando sem pausa a sua foice, espera que o namorado desnamore para sempre.

Mas nascem todo dia namorados novos, renovados, inovantes, e ninguém ganha ou perde essa batalha. Pois namorar é destino dos humanos, destino que regula nossa dor, nossa doação, nosso inferno gozoso. E quem vive, atenção: cumpra sua obrigação de namorar, sob pena de viver apenas na aparência. De ser o seu cadáver itinerante. De não ser. De estar, e nem estar.

O problema, Senhor, é como aprender, como exercer a arte de namorar, que audiovisual nenhum ensina, e vai além de toda universidade. Quem aprendeu não ensina. Quem ensina não sabe. E o namorado só aprende, sem sentir que aprendeu, por obra e graça de sua namorada.

A mulher antes e depois da Bíblia é pois enciclopédia natural, ciência infusa, inconciente, infensa a testes, fulgurante no simples manifestar-se, chegado o momento. Há que aprender com as mulheres as finezas finíssimas do namoro. O homem nasce ignorante, vive ignorante, às vezes morre três vezes ignorante de seu coração e da maneira de usá-lo. Só a mulher (como explicar?) entende certas coisas que não são para entender. São para aspirar como essência, ou nem assim. Elas aspiram o segredo do mundo.

Há homens que se cansam depressa de namorar, outros que são infiéis à namorada. Pobre de quem não aprendeu direito, ai de quem nunca estará maduro para aprender, triste de quem não merecia, não merece namorar.

Pois namorar não é só juntar duas atrações no velho estilo ou no moderno estilo, com arrepios, murmúrios, silêncios, caminhadas, jantares, gravações, fins-de-semana, o carro à toda ou a 80, lancha, piscina, dia-dos-namorados, foto colorida, filme adoidado, rápido motel onde os espelhos não guardam beijo e alma de ninguém.

Namorar é o sentido absoluto que se esconde no gesto muito simples, não intencional, nunca previsto, e dá ao gesto a cor do amanhecer, para ficar durando, perdurando, som de cristal na concha ou no infinito.

Namorar é além do beijo e da sintaxe, não depende de estado ou condição. Ser duplicado, ser complexo, que em si mesmo se mira e se desdobra, o namorado, a namorada não são aquelas mesmas criaturas que cruzamos na rua. São outras, são estrelas remotíssimas, fora de qualquer sistema ou situação. A limitação terrestre, que os persegue, tenta cobrar (inveja) o terrível imposto de passagem: "Depressa! Corre! Vai acabar! Vai fenecer! Vai corromper-se tudo em flor esmigalhada na sola dos sapatos...". Ou senão: "Desiste! Foge! Esquece!".

E os fracos esquecem. Os tímidos desistem. Fogem os covardes.

Que importa? A cada hora nascem outros namorados para a novidade da antiga experiência. E inauguram cada manhã (namoramor) o velho, velho mundo renovado.

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