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É um texto sobre um amor entre duas mulheres, mas poderia ser qualquer amor.
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Agradecimentos
De Milly Lacombe.
(do site "Blônicas")

Chegamos à hora dos agradecimentos. Trata-se do grande final, da apoteose dramática, do inevitável e dolorido exercício de lembrar por que nos apaixonamos. É o pente fino na relação, o inventário de tudo o que fomos, o último ato. Feito isso, podemos baixar as cortinas e dar o espetáculo por encerrado. Sofisticadamente, como se espera das paixões doces, verdadeiras, belas e sem futuro – aquelas que ocorrem em teatros vazios, mas que, nem por isso, devem ser menos aplaudidas. Daqui, da solidão desse palco em que me encontro agora, meus mais sinceros agradecimentos.
Antes de mais nada, obrigada por ter me dado esse ingresso, por ter me recebido, me convidado a sentar e me deixado ficar. Obrigada por ter me lembrado que a vida pode ser mais divertida, mais intensa, mais musicada e florida. Obrigada pelas noites quentes, pelas cervejas geladas, pelos CDs, pelos livros, pelas caronas, pelos cafés. Por ter me dado colo, carinho, atenção. Por ter me deixado olhar dentro de você, por ter me enxergado tão bem, por ter me permitido ouvir sua melhor música.
Obrigada pela sensibilidade, pelo interesse, pelo doce-de-leite. Obrigada por, mesmo sem dizer, ter me feito sentir tão amada, por ter me deixado ler alguns de seus mais secretos pensamentos. Por ter feito meu coração disparar sem motivo aparente, por ter me admirado tão aberta e sinceramente. Por ter me feito rir, por ter rido de mim, por ter perdido seu sapato no meio da avenida São Luiz e, principalmente, por todas as muitas horas em que, juntas, rimos tão sincera e deliciosamente de coisas que não tinham graça.
Obrigada por ter me dado sua senha, por ter roubado a minha, pelo acesso, pela orientação, por ter entrado em mim, por ter me deixado entrar em você. Por ter me feito chorar de saudade e de medo de te perder. Por ter sentado comigo na varanda e me ouvido falar, por ter me contado sobre seu trabalho, sobre a vaga na garagem, sobre a gorda, sobre seus sonhos, medos, segredos e anseios.
Obrigada por ter me aberto a porta e, depois, por ter me deixado entrar sem bater. Pelo cabelo molhado, pelos suspiros, pelo bico e por me fazer acreditar que um dia poderíamos ter sido. Obrigada por ter me dado tanto prazer e, principalmente, por ter me deixado te dar algum.
Pelas tardes em que passei esperando o telefone tocar, por nunca ter me falhado, pela cumplicidade e pela senha do album na internet. Pelas memórias, pelos beijos molhados, por ter mexido no meu cabelo, por ter me abraçado por trás e me beijado o pescoço, por ter me deixado deitar em você e ficar em silêncio. Por ter me ligado para dizer que a lua estava cheia, por ter me feito ver estrelas, por ter passado a mão na minha perna sempre que havia uma chance, por ter alcançado minha alma.
Obrigada por ter me procurado, por ter se perdido, por ter me deixado molhada, por ter me secado, por ter me dado comida na boca, por ter me lido. Por me fazer sentir tão bonita, por ser tão bonita, por ter tido orgulho de mim, pelos telefonemas fora de hora, por ter me entretido, me divertido e por ter me feito protagonista.
Obrigada por não ter desistido da gente depois daquela primeira noite, e por ter se entregado de forma tão doce e intensa no que agora sei que foi nossa última vez.
Mas, acima de tudo, obrigada por ter me permitido sonhar. Porque, sem sonhos, eu não existo. Então, my beautiful lady, em resumo é mais ou menos isso: obrigada por ter me feito existir.

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