O beijo, o “xêro” e os seus arredores
De Xico Sá.
De Xico Sá.
Do cheiro ou simplesmente "xêro", como se diz na lexicografia caseira e no fonema nordestino. Pense numa coisa diferente do beijo. Donde o beijo é simples e universalíssimo. O cheiro é mais para os esquimós e seus narizes gelados, encostam um no outro e cheiram, cheiram nos iglus...
Nos modos de macho & modinhas de fêmeas do Nordeste, idem ibdem, o cheiro é mais importante até mesmo do que o beijo na boca.
No pescoço, de preferência.No cangote, na seqüência.
Aspirar até o pó das almas que escorre feito ouro em Serra Pelada no gogó das existências.
Sugar, sugar o cheiro do sabonete barato e genérico de supermercado ou o Lancôme das negas mais ricas.Às vezes nem carece encostar o nariz de Gogol, sempre suspeito, sempre perdido depois do corte epistemológico do barbeiro russo.
Basta passar por perto.Como no ônibus.No corredor da repartição,na firma, na fila do banheiro, no bar, no basfond, onde a abelha sentir o bafo de uma alma de flores.
Fungar...
Eis o verbo.Gastar todos os sentidos num só olfato, como um Marcel Proust que, em vez de ser platônico, pode ser homérico.
Em vez de bolinhos franceses, madaleines, lindos pescoços.Em vez de bolinhos para a merenda, tapiocas pós-cheiros.
Quase vampiros, mas sem caninos, só a fungada mais lírica, as incandescências das quais me falava o poeta Jaci Bezerra nos nossos porres no Espinheiro.
O cheiro, ao contrário do beijo, velho Augusto dos Anjos, jamais será a véspera do escarro.O cheiro é a memória afetiva, caro Walter Benjamin, o faro a favor do encontro no mapa das cidades depois de perdições cartográficas.
O cheiro, amigo Jomard Muniz de Brito, é o prazer do texto, como dizia nosso Roland Barthes, de quem te roubei alguns livros.Tenho uma amiga, Flavia Guerra, de São Paulo, que educa um sobrinho aqui criado para não perder o encanto do cheiro. Para ser um bom homem, diz ela.
Os mancebos perderam o prazer do cheiro.Logo agora, numa era de cosméticos tão avançados.
Como nunca precisamos reabilitar o cheiro ("xêro") com toda a força desse mundo, nada como um cangote cheiroso num baile ou numa pista de dança. Cabelos presos ou soltos. É pela fungada que sentimos o cheiro da alma, o Cashmere Bouquet da existência.
Sem se falar naqueles cabelos molhados no elevador, aquele Neutrox de fim de tarde na padaria, aqueles aromas todos a perseguir, debaixo dos caracóis dos seus cabelos ou derretendo-me qual manteiga na sua chapinha mais quente.
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