Pular para o conteúdo principal
Viva a ignorância
De Milly Lacombe.


O que aconteceria se a ignorância fosse, como que por mágica, eliminada da face da terra. No dia seguinte tudo seria questionado: dogmas, verdades absolutas, sistemas políticos, econômicos, sociais e religiosos. A quem interessa, portanto, a manutenção da ignorância? Estado, Indústria e Igreja vivem da nossa pouca capacidade de reflexão. Porque somos ignorantes, é possível que campanhas políticas nos convençam de mentiras absurdas. A campanha presidencial para a reeleição de nosso notável comandante vem aí. E é de se espantar que, mesmo que o povo tenha acesso a escabrosas informações sobre como o atual governo faz negócios e trabalha o dinheiro público, o líder molusco comece a corrida com mais de 50% de intenção de voto. O que justifica isso? Apenas nossa invejável capacidade de continuar ignorantes. Ignorantes a ponto de achar que um metalúrgico semi-analfabeto, ligado a ex-guerrilheiros amantes de Cuba, poderia nos salvar. Se antes falar mal da pouca capacidade de raciocínio do presidente era preconceito, agora é conceito. O homem é, comprovadamente, limitado. O que tem lhe caído como uma luva: porque apenas uma ancestral ignorância pode desculpá-lo. Nem Dirceu, nem Delúbio, nem Palocci, nem mensalão: o metalúrgico não viu nada disso. E quem pode provar que ele viu? Santa ignorância.Mas voltemos à fotografia panorâmica porque a perspectiva é excelente: a qualidade e o alcance do ensino público continuam lastimáveis, e o poder dos cultos religiosos só faz crescer. Tudo faz parte de uma mesma roda moral, de um mesmo pacote: quanto mais desinformado e descrente o cidadão, quanto mais desamparado pelo Estado (que, porque está mais preocupado em desviar do que em investir, não consegue fornecer o básico, aquilo que esperamos receber quando somos obrigados a viver com uma carga tributária de 40%: saúde, educação, lazer, segurança), mais propenso a se entregar a crendices e promessas de vida farta e colorida após a morte. Quem pode culpá-los? Se aqui a coisa não rola, se aqui seus filhos são assassinados, se aqui a melhor possibilidade de trabalho é gerada no tráfico, se aqui eles têm que viver, quando conseguem emprego, com um ou dois salários mínimos, por que não acreditar cegamente que, depois daqui, deles será o reino dos céus? Fé. Eis aí o melhor e mais genial instrumento de marketing já criado pelo homem: acredite sem questionar. Acredite no dízimo, porque ele garantirá sua entrada no reino de Deus. Se o padre acabou de comprar um rolex, se o Papa usa Prada, nada disso importa, porque o dízimo é fundamental para que você, fiel, seja aceito por Deus quando esta vida aqui acabar. E se Deus não te aceitar, ah, meu filho, aí teu negócio é com o diabo. Então, acredite. Em céu e inferno, na ressurreição, nos três Reis Magos, em Adão e Eva, no pecado original, na inferioridade feminina ... vá acreditando porque, quanto mais fé, mais certa será sua vida no paraíso. Mas não ouse questionar. Não ouse querer mudar as regras, reescrever a história da moral humana. As leis de Deus são imutáveis. Aquele que tiver a petulância de refletir sobre a veracidade das histórias bíblicas, - e algumas fazem tanto sentido quanto Chapeuzinho Vermelho - será punido. Fé. Nunca deixe de ter fé ou o inferno será sua morada eterna. Fé no povo, na Igreja, no Estado. Por ela, mata-se e morre-se. Fé, o mais genial dos instrumentos de manipulação.Está tudo, portanto, nocivamente interligado. E o combustível para tanta manipulação é nossa santa ignorância. Não fosse ela, viveríamos em um mundo muito melhor. Um mundo no qual o estado seria laico, a renda mais igualmente distribuída, a filosofia ensinada em escolas públicas, e tão popular quanto a religião. Spinoza e São Sebastião teriam o mesmo peso. Nietzsche seria tão citado quanto João Paulo II. Um mundo mais iluminado, enfim. Um mundo que faria Deus, o Deus de Spinoza, aquele que se manifesta na harmonia das coisas, aquele que não pune nem é intervencionista, finalmente orgulhoso de sua criatura.

Comentários

Anônimo disse…
Ola Adri, eu concordo com voce em boa parte do seu artigo,penso que a religião foi criada pelos nobres de outr`ohra, Mas não acredito que sem ela teriamos um mundo melhor,pois a ignorancia continuaria a imperar e não saberiamos do que seria capaz a mente humana.Será que o homem respeitaria os direito dos outro? pois não haveria castigo, a maioria destes homens só temem o castigo eterno. Por isso que eu entendo que a religião é um mal necessário.
Anônimo disse…
Cautela à Milly, muita calma né, Dri? O caso aí é bem mais complexo do que se ir falando adoidadamente assim de uns três assuntos misturados sem se distinguir em aspectos eles nos tocam. Religião uma coisa, política outra. Fé uma coisa, pragmatismo outra... e terceiro: bobagem dizer que somos ignorantes, não somos nem fodendo!

Postagens mais visitadas deste blog

Modéstia às favas, porque é lindo demais e é pra mim. E porque eu amo esse menino branco. . . Porque você é o que me importa do Fer . . Fico preocupado ao pensar que você talvez não saiba que me esforço todos os dias para não interromper reuniões, ligações, debates e seminários e contar sua última piada ou o comentário que fez ao ver a manchete do jornal. . Também não deve saber que melhoro minha postura, arrumo meu cabelo e minhas roupas ao imaginar que talvez te encontre ou que possa me ver de longe, andando distraído por uma rua qualquer. . Sempre que encosto meu ouvido em seu peito redescubro um pouco de fé ao pedir que te protejam e te façam menos frágil do que me parece naquele instante, com seu pequeno punho fechado a carregar meu mundo inteiro. Juro, então, que te fazer feliz vai ser meu exercício diário, como se dele dependesse o resto da minha vida. . Juro também que vou pensar na sua gargalhada, nas danças inusitadas e no carinho que me faz quando já está a dormir sempre que...
Minha irmã me mostrou, e eu fiquei emocionadíssima. Só quem teve vai entender (se é que alguém da minha geração não teve...).
Açúcar emprestado Luis Fernando Veríssimo Vizinhos de porta, ele o 41 e ela o 42. Primeiro lance: ela. Bateu na porta dele e pediu açúcar emprestado para fazer um pudim. Segundo lance: ela de novo. Bateu na porta dele e perguntou se ele não queria provar o pudim. Afinal, era co-autor. Terceiro lance: ele. Hesitou, depois perguntou se ela não queria entrar. Ela entrou, equilibrando o prato do pudim longe do peito para não derramar a calda. - Não repara a bagunça... - O meu é pior. - Você mora sozinha? Sabia que ela morava sozinha. Perguntara ao porteiro logo depois de se mudar. A do 42? Dona Celinha? Mora sozinha. Morava com a mãe mas a mãe morreu. Boa moça. Um pouco... E o porteiro fizera um gesto indefinido com a mão, sem dizer o que a moça era. Fosse o que fosse, era só um pouco. A conversa começou com apresentações e troca de informações - "Nélio", "Celinha", "Capricórnio", "Leão", "Daqui mesmo", "Eu também" - e continuou e...