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Lar ou ímpar
Aldir Blanc - Pasquim n. 419 - 8 a 14/07/77

Singela homenagem ao divórcio, ao desquite, ao colt, ao serrote e demais formas de separação.

A mulher da gente
não quer ser a mulher
que a gente tinha.
Quer ser “nova a cada instante”.
Bonito, né?
E como aporrinha!

Mas não há de ser nada.
Tem troço mais chato,
mais fora-de-moda
do que mulher que não incomoda?

A boa mulher deve azucrinar.
Deve fazer perguntas sem resposta,
bater portas,
achar a sogra uma josta
e discutir assuntos que variem
desde a nova taxa cambial
ao próprio ciclo menstrual
passando pelo resultado do bicho
E, bem no meio de uma frase do marido,
dizer que o papo ta um lixo.
Deve querer emagrecer ou engordar,
deve exigir permanecer ou se mudar
e recusar fazer o trivial
pra experimentar – mal – nova receita.
O lema é “nunca se dar por satisfeita”.
Um exemplo, gostosa leitorinha:
a mulher feliz, realizada,
deve, por incrível que pareça,
sentir palpitação, dor de cabeça
e, repentinamente, ir se deitar.
Agora, tem o seguinte: na orgia
não tem mulher que chegue
aos pés daquela
que padeça suave hipocondria.
Mas deve ser sutilmente estimulada
para que, depois, somando o ar mais sonso
a uma expressão tensa, dramática,
Jure pela mãe (dela) que não! Que não queria!
Feito as violentadas de “O Dia”
ou da “Luta Democrática”.

Sacaram?
A mulher que é mulher
tem que criar culpa, remorso,
arrependimento na besta do marido.
Aliás, todo marido,
por mais malandro, por mais vivido,
deve ser uma besta, doce besta
como o lar.
O lar – vocês sabem!
É um lugar de estar
e de não estar.
É um templo... um recesso sacrossanto...
um lupanar...
É o repouso do guerreiro,
é o berço do herói
é... é... é... de lascar!
Mas, sendo aconchegante, deve dar,
como qualquer atual democracia,
sensação de falsa liberdade,
a ponto do marido declarar:
- O lar é meu segundo bar!
E em qualquer um dos dois, se embriagar.
Esses porres acontecem
porque toda vida, em parte, é ímpar.

Boa sorte com seu par, meu nego.
Eu? Eu quero é sossego.
Lar ou ímpar?
Um pouquinho por dentro desse jogo
atiro fora os palitinhos, as moedas e os medos
e constato: vão-se os anéis e os dedos.
O lar, gente boa, é a maior zona.
Na purrinha conjugal
pede bem quem pede lona.

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