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Mostrando postagens de janeiro, 2010
Comentário da Clarinha, loira linda e elegante, absolutamente desprovida de qualquer habilidade no samba, ao saber que vou desfilar na Sapucaí este ano (sim, é verdade): "... muita vontade de desfilar no sambódromo, apesar de ter tanto samba no pé quando o Ferds... apesar que andei aprendendo uns passos no Fantástico outro dia, quando a Globeleza sambou em slowmotion". Impossível não amar.
Cruzando o paraíso Xico Sá Por ti chorei lágrimas de rodoviária, lágrimas com poeira de estrada perdida, lágrimas e poeira que viraram maquiagem de lama, tijolos d´alma, emendei lotações e fronteiras, gastei botas, máscaras, joelhos... e contei passos de crimes & castigos, por ti esperei em hotéis baratos do centro, porta aberta, mão no coração, faca no peito, por ti bebi como uma mosca caricata de boteco, fiz lirismos chinfrins em guardanapos, sempre começando assim “por ti” etc e algum verbo que representasse um esforço da porra ou o mais puro exibicionismo de uma dor tão gasta que nem já combinava mais com os meus drinques caubói nem muito menos com as minhas elegantes vestes rotas da mendicância, ah, o seu orgulho não vale uma canção triste de Roy Orbison.
do blog do José Saramago. As minhas palavras são de agradecimento. A Fundação José Saramago teve uma ideia, louvável por definição, mas que poderia ter entrado na história como uma simples boa intenção, mais uma das muitas com que dizem estar calcetado o caminho para o inferno. Era a ideia editar um livro. Como se vê, nada de original, pelo menos em princípio, livros é o que não falta. A diferença estaria em que o produto da venda deste se destinaria a ajudar as vítimas sobreviventes do sismo do Haiti. Quantificar tal ajuda, por exemplo, na renúncia do autor aos seus direitos e numa redução do lucro normal da editora, teria o grave inconveniente de converter em mero gesto simbólico o que deveria ser, tanto quanto fosse possível, proveitoso e substancial. Foi possível. Graças à imediata e generosa colaboração das editoras Caminho e Alfaguara e das entidades que participam na feitura e difusão de um livro, desde a fábrica de papel à tipografia, desde o distribuidor ao comércio livreiro, ...
Poema do fanático Murilo Mendes Não bebo álcool, não tomo ópio nem éter, Sou o embriagado de ti e por ti. Mil dedos me apontam na rua: Eis o homem que é fanático por uma mulher. Tua ternura e tua crueldade são iguais diante de mim Porque eu amo tudo o que vem de ti. Amo-te na tua miséria e na tua glória E te amaria mais ainda se sofresses muito mais. Caíste em fogo na minha vida de rebelado. Sou insensível ao tempo - porque tu existes. Eu sou fanático da tua pessoa, Da tua graça, do teu espírito, do aparelhamento da tua vida. Eu quisera formar uma unidade contigo E me extinguir violentamente contigo na febre da minha, da tua, da nossa poesia.
Um domingo, duas gatinhas - fábula do amor e seu duplo Xico Sá minhas duas gatinhas voltaram no mesmo dia; a que não era gente ficou, juízo não tinha. As duas, porém, me fizeram felizes do mesmo jeito; cada uma me fez bater de um lado do peito. Uma me deixou nervoso; a outra me fez mais calmo. Quando a primeira saiu, não enxerguei a outra a um palmo. Precavido, porém, tranquei uma delas em casa; perder tem limite, corto-lhe as asas. Mas a história foi bem bonita: quando descobri uma das meninas, amor à primeira vista, ela me trouxe a felina, que no futuro ajudaria a diminuir a sua própria falta.
Amo. Juro. Não é brincadeira. Se tem bigodes de foca, nariz de tamanduá Também um bico de pato e um jeito de sabiá Mas se é amigo, não precisa mudar, é tão lindo, deixa assim como está E eu adoro, adoro, difícil é a gente explicar que é tão lindo. Se tem bigodes de foca, nariz de tamaduá Mas se é amigo de fato, a gente deixa como ele está. É tão lindo, não precisa mudar, é tão lindo, é tão bom se gostar E eu adoro, é claro, bom mesmo é a gente encontrar um bom amigo .
A alegria Ferreira Gullar O sofrimento não tem nenhum valor. Não acende um halo em volta de tua cabeça, não ilumina trecho algum de tua carne escura (nem mesmo o que iluminaria a lembrança ou a ilusão de uma alegria). Sofre tu, sofre um cachorro ferido, um inseto que o inseticida envenena. Será maior a tua dor que a daquele gato que viste a espinha quebrada a pau arrastando-se a berrar pela sarjeta sem ao menos poder morrer? A justiça é moral, a injustiça não. A dor te iguala a ratos e baratas que também de dentro dos esgotos espiam o sol e no seu corpo nojento de entre fezes querem estar contentes.
Coisa amar Manuel Alegre Contar-te longamente as perigosas coisas do mar. Contar-te o amor ardente e as ilhas que só há no verbo amar. Contar-te longamente longamente. Amor ardente. Amor ardente. E mar. Contar-te longamente as misteriosas maravilhas do verbo navegar. E mar. Amar: as coisas perigosas. Contar-te longamente que já foi num tempo doce coisa amar. E mar. Contar-te longamente como dói desembarcar nas ilhas misteriosas. Contar-te o mar ardente e o verbo amar. E longamente as coisas perigosas.
Boda espiritual Manuel Bandeira Tu não estás comigo em momentos escassos: No pensamento meu, amor, tu vives nua - Toda nua, pudica e bela, nos meus braços. O teu ombro no meu, ávido, se insinua. Pende a tua cabeça. Eu amacio-a...afago-a Ah, como a minha mão treme...Como ela é tua... Põe no teu rosto o gozo uma expressão de mágoa. O teu corpo crispado alucina. De escorço O vejo estremecer como uma sombra nágua. Gemes quase a chorar. Súplicas com esforço. E para amortecer teu ardente desejo Estendo longamente a mão pelo teu dorso... Tua boca sem voz implora em um arquejo. Eu te estreito cada vez mais, e espio absorto A maravilha astral dessa nudez sem pejo... E te amo como se ama um passarinho morto.
Um amor assim violento quando torna-se mágoa é o avesso de um sentimento, oceano sem água. Caetano Veloso, "Queixa".
Ela ela Arto Lindsay e Caetano Veloso Ela ela Ela é ela Ela é uma Ela não fuma mais Ela fumava muito mas não fuma mais Ela é tão jovem Ela gosta dessa moda de não fumar Ela está comigo em Manhattan E nós vimos o show de Sting no Madison Square Garden E ela disse Hoje em dia acendem poucos isqueiros na plateia porque pouca gente fuma Ela é tão jovem E tem saudade do tempo em que muita gente tinha isqueiro Eu tenho amor por ela Ela é ela Ela separa as pernas e vem outra.
Beijo de adeus provocou alerta de segurança em aeroporto dos EUA NOVA YORK (Reuters, 07/01/2010) - O alerta de segurança que fechou o aeroporto de Newark por horas e atrasou dezenas de voos foi provocado por um homem que passou pela área de segurança para dar um beijo de adeus em uma mulher, relatou um jornal nesta quinta-feira. Porque o amor é mesmo subversivo.
Ausência Nuno Júdice Quero dizer-te uma coisa simples: a tua Ausência dói-me. Refiro-me a essa dor que não Magoa, que se limita à alma, mas que não deixa, Por isso, de deixar alguns sinais - um peso Nos olhos, no lugar da tua imagem, e Um vazio nas mãos, como se tuas mãos lhes Tivessem roubado o tacto. São estas as formas Do amor, podia dizer-te; e acrescentar que As coisas simples também podem ser complicadas, Quando nos damos conta da diferença entre o sonho e a realidade. Porém, é o sonho que me traz à tua memória; e a Realidade aproxima-te de ti, agora que Os dias que correm mais depressa, e as palavras Ficam presas numa refracção de instantes, Quando a tua voz me chama de dentro de Mim - e me faz responder-te uma coisa simples, Como dizer que a tua ausência me dói.
Ciúme não é ex. Tati Bernardi Sobras de minha existência pela casa, escondidas para não irritar a nova mocinha. Meu pijama sufocado num canto da gaveta para que nenhuma lembrança respire. Meus chinelos abduzidos no meio da "sapataiada", tão pequenos que quase inexistem ou poderiam passar tranqüilamente por pares de criança. Fotos, milhares delas, guardadas sem carinho, uma preguiça triste de arrumá-las em álbuns. Estão lá, paralisadas em momentos felizes, tradutoras de uma vida que quase foi, trancadas porque o que quase foi não pode atrapalhar o que ainda pode ser. Talvez um fio de cabelo, o último deles, esteja nesse momento sendo varrido e levado pelo vento forte e solitário que não deixa dúvidas que o inverno chegou. Inverno que era sempre comemorado porque eu sabia que ele não sentiria tanto calor para dormir e eu poderia ser abraçada de conchinha o tanto que desejasse. Agora é outra que suspira protegida olhando o quadro do Monet e ri apaixonada de algum provável barulh...
Apresentar-te aos deuses e deixar-te entre sombra de pedra e golpe de asa exaltar-te perder-te desconfiar-te seguir-te de helicóptero até casa dizer-te que te amo amo amo que por ti passo raias e fronteiras que não me chamo mário que me chamo uma coisa que tens nas algibeiras lançar a bomba onde vens no retrato de dez anos anjinho nacional e nove de colégio terceiro acto pôr-te na posição sexual tirar-te todo o bem e todo o mal esquecer-me de ti como do gato "Poesia 71", Mário Cesariny.
Num corpo só Eu tentei, mas não deu pra ficar sem você: enjoei de tentar. Me cansei de querer encontrar um amor pra assumir teu lugar. É muito pouco, vem alegrar o meu mundo que anda vazio. Me deixa louca, é só beijar tua boca que eu me arrepio... e o pior é que você não sabe que eu sempre te amei, pra falar a verdade eu também nem sei quantas vezes sonhei juntar teu corpo, meu corpo, num corpo só. Vem, se estiver acompanhado esquece e vem, se tiver hora marcada esquece e vem, venha ver a madrugada e o sol que vem, que uma noite não é nada, meu bem.
Ao coração que sofre Olavo Bilac Ao coração que sofre, separado Do teu, no exílio em que a chorar me vejo, Não basta o afeto simples e sagrado Com que das desventuras me protejo. Não me basta saber que sou amado, Nem só desejo o teu amor: desejo Ter nos braços teu corpo delicado, Ter na boca a doçura de teu beijo. E as justas ambições que me consomem Não me envergonham: pois maior baixeza Não há que a terra pelo céu trocar; E mais eleva o coração de um homem Ser de homem sempre e, na maior pureza, Ficar na terra e humanamente amar .
Receita de Ano Novo Carlos Drummond de Andrade Para você ganhar belíssimo Ano Novo cor de arco-íris, ou da cor da sua paz, Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido (mal vivido talvez ou sem sentido) para você ganhar um ano não apenas pintado de novo, remendado às carreiras, mas novo nas sementinhas do vir-a-ver, novo até no coração das coisas menos percebidas (a começar pelo seu interior) novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota, mas com ele se come, se passeia, se ama, se compreende, se trabalha, você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita, não precisa expedir nem receber mensagens (planta ou recebe mensagens? passa telegramas?). Não precisa fazer lista de boas intenções para arquivá-las na gaveta. Não precisa chorar de arrependido pelas besteiras consumadas nem parvamente acreditar que por decreto da esperança a partir de janeiro as coisas mudem e seja tudo claridade, recompensa, justiça entre os homens e as nações, liberdade com cheiro e gosto de pão...