De que lado você fica?
De Leo Jaime.
www.blonicas.zip.net
Vamos supor que em sua rua tenha um supermercado e que você faça suas compras lá, regularmente. Já cumprimenta os funcionários, conhece as prateleiras, sabe que o preço não é o melhor mas como é próximo e tem bons produtos é um cliente fiel. Fiel até ser surpreendido com a notícia, espalhada aos quatro cantos do planeta, de que o gerente da loja resolveu tocar fogo em uma família de mendigos que tinha se mudado para a marquise do supermercado dias atrás. Pois é, todo mundo dormindo ele chega, sorrateiro, joga gasolina nos cobertores e ateia fogo, fazendo um churrasco daquela família que, aos olhos de todos, exibia sua miséria ali, de forma inconveniente, incomodando os usuários e espantando a freguesia. Isso mesmo, você não era a favor daquela família residir na frente daquela loja mas ficou horrorizado, com justiça, com a medida escabrosa que o seu gerente arranjou pra resolver o assunto.
Qual sua atitude? Espera que a lei seja cumprida e nunca mais volta no supermercado? Provavelmente. Mas, afinal, o erro foi do gerente ou da empresa? Será que a empresa merece perder o cliente por ter tido um gerente maluco que tomou uma atitude criminosa por conta própria? Você pode nem querer saber. Mais provável é o supermercado predileto da vizinhança fechar as portas vendendo a loja para uma grande rede. O consumidor costuma ser radical nestes casos. Ainda mais quando é um caso desta gravidade, envolvendo assassinatos de crianças de forma tão hedionda.
Nada na história acima parece irregular, nem mesmo o exagero que parece ser culpar o CNPJ de uma empresa por um erro pontual e imprevisível de um funcionário. Vamos agora transferir a mesma situação para a realidade carioca e tentar compreender um dilema que lá se estabelece e que aqui será exposto.
São muitos os entorpecentes, a maioria deles liberada e fabricada por laboratórios confiáveis ou fábricas vigiadas e controladas pelo serviço de saúde pública. Álcool incluído, em suas milhares de formulações.
Vamos, porém, admitir que o seu favorito, o que você gosta de usar, não esteja na lista. Digamos que você prefere ficar mutcho loco com algum bagulho fabricado por pessoas honestíssimas e muito criteriosas com relação a métodos de higiene e controle de qualidade. Que este seu bagulho costuma ser transportado com muito carinho por pessoas igualmente ciosas, muitas vezes em suas cavidades mais íntimas, e que estes portadores tenham por hábito acrescentar com generosidade substâncias que visam enriquecer o mesmo bagulho, tão sagradas que a este ato se dá o nome de batismo. Diante de tudo o que aí se apresenta é naturalíssimo que você tenha a mais cega confiança no produto e em quem o serve. Eu compreendo: o bagulho não tem a função de alterar o estado de consciência? Quem disse que é pra melhor? Quem sou eu pra julgar? Vá lá! Você tem a maior confiança no seu vapor e na origem do bagulho "dubão" que ele costuma trazer em sua casa. Ou é você que passa no barraco dele pra buscar? O que importa?
Ai acontece a surpresa: aquele pessoal de índole sem jaça está com todas as digitais impressas na autoria de um crime bárbaro. O cara que vende seu bagulho é funcionário de uma boca que mandou queimar um ônibus com todos os passageiros dentro vivos, incluindo criancinhas. Não me pergunte o porquê de achar que o fato de ter criancinhas faz este churrasco humano mais bestial.
Eu apenas reservo-me ao direito de achar que crianças de dois anos, viajando com a mamãe de ônibus, são menos hábeis para lutar pela própria vida diante da surpresa terrorista desta natureza.
Pois é. O seu gerente mandou tostar o ônibus sem permitir que ninguém saísse de dentro. Um colega do cara que você recebe em sua sala ficou lá, impedindo que o pessoal escapasse à morte horrorosa. Um ou mais. Vai ver ele mesmo estava lá. E agora? Você deixa de comprar bagulho com ele e vai comprar com aquele pessoal que assou o jornalista com os pneus em volta do corpo?
Talvez você prefira tentar compreender que todo mundo perde mesmo a cabeça um dia e que, pô, os traficantes são muito perseguidos: qualquer um faria a mesma coisa se estivesse no lugar deles. É provavelmente você vai indagar, em meio ao consumo de uma presença dada pelo seu vapor, que ele passou da conta desta vez mas que não deixa de ser um cara super gente fina. E que o bagulho dele é bom e não vem malhado.
A sociedade do Rio tem feito suas escolhas. Tem que fazer. Em todas as cidades grandes, corrompidas pelo crime organizado, a escolha é proposta cotidianamente: de que lado você fica?
Com tanto jeito de alterar seus estados de consciência sem comprar nada de bandido você vai continuar fazendo questão do bagulho produzido pelos criminosos? Já lhe ocorreu que os lugares em que há maior injustiça social no planeta sejam exatamente os grandes centros de produção e escoamento de drogas? Seu traficante queima criancinhas vivas e você continua comprando bagulho dele como se nada houvesse? Você compreende? Acha um absurdo, mas nem por isso vai deixar de ficar doidão do mesmo alucinógeno ilícito?
Neste caso, caro leitor, só posso dizer uma coisa: tomara que o próximo bebê assado por um destes animais seja filho seu e não de alguém que, como eu, sabe muito bem de que lado está. Do outro.
Não dou um centavo em mão de bandido. Não alimento a corrupção.
De Leo Jaime.
www.blonicas.zip.net
Vamos supor que em sua rua tenha um supermercado e que você faça suas compras lá, regularmente. Já cumprimenta os funcionários, conhece as prateleiras, sabe que o preço não é o melhor mas como é próximo e tem bons produtos é um cliente fiel. Fiel até ser surpreendido com a notícia, espalhada aos quatro cantos do planeta, de que o gerente da loja resolveu tocar fogo em uma família de mendigos que tinha se mudado para a marquise do supermercado dias atrás. Pois é, todo mundo dormindo ele chega, sorrateiro, joga gasolina nos cobertores e ateia fogo, fazendo um churrasco daquela família que, aos olhos de todos, exibia sua miséria ali, de forma inconveniente, incomodando os usuários e espantando a freguesia. Isso mesmo, você não era a favor daquela família residir na frente daquela loja mas ficou horrorizado, com justiça, com a medida escabrosa que o seu gerente arranjou pra resolver o assunto.
Qual sua atitude? Espera que a lei seja cumprida e nunca mais volta no supermercado? Provavelmente. Mas, afinal, o erro foi do gerente ou da empresa? Será que a empresa merece perder o cliente por ter tido um gerente maluco que tomou uma atitude criminosa por conta própria? Você pode nem querer saber. Mais provável é o supermercado predileto da vizinhança fechar as portas vendendo a loja para uma grande rede. O consumidor costuma ser radical nestes casos. Ainda mais quando é um caso desta gravidade, envolvendo assassinatos de crianças de forma tão hedionda.
Nada na história acima parece irregular, nem mesmo o exagero que parece ser culpar o CNPJ de uma empresa por um erro pontual e imprevisível de um funcionário. Vamos agora transferir a mesma situação para a realidade carioca e tentar compreender um dilema que lá se estabelece e que aqui será exposto.
São muitos os entorpecentes, a maioria deles liberada e fabricada por laboratórios confiáveis ou fábricas vigiadas e controladas pelo serviço de saúde pública. Álcool incluído, em suas milhares de formulações.
Vamos, porém, admitir que o seu favorito, o que você gosta de usar, não esteja na lista. Digamos que você prefere ficar mutcho loco com algum bagulho fabricado por pessoas honestíssimas e muito criteriosas com relação a métodos de higiene e controle de qualidade. Que este seu bagulho costuma ser transportado com muito carinho por pessoas igualmente ciosas, muitas vezes em suas cavidades mais íntimas, e que estes portadores tenham por hábito acrescentar com generosidade substâncias que visam enriquecer o mesmo bagulho, tão sagradas que a este ato se dá o nome de batismo. Diante de tudo o que aí se apresenta é naturalíssimo que você tenha a mais cega confiança no produto e em quem o serve. Eu compreendo: o bagulho não tem a função de alterar o estado de consciência? Quem disse que é pra melhor? Quem sou eu pra julgar? Vá lá! Você tem a maior confiança no seu vapor e na origem do bagulho "dubão" que ele costuma trazer em sua casa. Ou é você que passa no barraco dele pra buscar? O que importa?
Ai acontece a surpresa: aquele pessoal de índole sem jaça está com todas as digitais impressas na autoria de um crime bárbaro. O cara que vende seu bagulho é funcionário de uma boca que mandou queimar um ônibus com todos os passageiros dentro vivos, incluindo criancinhas. Não me pergunte o porquê de achar que o fato de ter criancinhas faz este churrasco humano mais bestial.
Eu apenas reservo-me ao direito de achar que crianças de dois anos, viajando com a mamãe de ônibus, são menos hábeis para lutar pela própria vida diante da surpresa terrorista desta natureza.
Pois é. O seu gerente mandou tostar o ônibus sem permitir que ninguém saísse de dentro. Um colega do cara que você recebe em sua sala ficou lá, impedindo que o pessoal escapasse à morte horrorosa. Um ou mais. Vai ver ele mesmo estava lá. E agora? Você deixa de comprar bagulho com ele e vai comprar com aquele pessoal que assou o jornalista com os pneus em volta do corpo?
Talvez você prefira tentar compreender que todo mundo perde mesmo a cabeça um dia e que, pô, os traficantes são muito perseguidos: qualquer um faria a mesma coisa se estivesse no lugar deles. É provavelmente você vai indagar, em meio ao consumo de uma presença dada pelo seu vapor, que ele passou da conta desta vez mas que não deixa de ser um cara super gente fina. E que o bagulho dele é bom e não vem malhado.
A sociedade do Rio tem feito suas escolhas. Tem que fazer. Em todas as cidades grandes, corrompidas pelo crime organizado, a escolha é proposta cotidianamente: de que lado você fica?
Com tanto jeito de alterar seus estados de consciência sem comprar nada de bandido você vai continuar fazendo questão do bagulho produzido pelos criminosos? Já lhe ocorreu que os lugares em que há maior injustiça social no planeta sejam exatamente os grandes centros de produção e escoamento de drogas? Seu traficante queima criancinhas vivas e você continua comprando bagulho dele como se nada houvesse? Você compreende? Acha um absurdo, mas nem por isso vai deixar de ficar doidão do mesmo alucinógeno ilícito?
Neste caso, caro leitor, só posso dizer uma coisa: tomara que o próximo bebê assado por um destes animais seja filho seu e não de alguém que, como eu, sabe muito bem de que lado está. Do outro.
Não dou um centavo em mão de bandido. Não alimento a corrupção.
Comentários
Tenho um trabalho imenso pra entregar na quarta, depois disso, acredito, vou ficar mais tranquila. Se quiser me ligar... ou melhor, vou tentar te ligar, de verdade. Mais uma vez muito obrigada! Um beijo!
Um beijo!
(E é você que não aparece. Ontem, te chamei no msn.)