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A Mari é linda, doce, rara e amiga. Minha amiga. Orgulho gigante aqui.
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Uma menina feita de José
Mariana Clark
(do livro "Menina feita de José", ed. Armazém de Idéias, 2007).

Foi como o dia em que te conheci e que tudo era muito recente. Minhas mãos, meus olhos, meu nariz colorido de tinta. Você era aquele senhor por vezes doce, por vezes duro, assim como foram também as pessoas que amei depois de você. Foram seus olhos que primeiro me viram e também te vi, é certo que sim, mas não sabia ainda o que era você ou o que era o mundo.

E assim, menina medrosa que fui sempre, cresci. Cresci vendo os anos passando muito mais rápido para você do que para mim. Vieram a bengala e os sapatos que não escorregam, enquanto eu queria correr descalça, eu queria alcançar o mundo. Você me mostrou as rosas, os jardins, me chamou de menina, me disse bonita, me disse levada. Não gostava de mim todas as horas. Aprendi com você, então, que paciência não tinha a ver com o amor. O amor era outra coisa.

Menina levada que fui, que fazia coisas com as quais você se incomodava. Os barulhos, as bolas, os pensamentos que iam e vinham sobre as bonecas, as estrelas e a vida. Mostrava as notícias do jornal, você inconformado dizendo que o mundo se perdeu, se enlouqueceu, e o governo que fazia coisas inacreditáveis. No seu tempo não era assim, você que veio de Paraíso. E eu, que vim do mundo da cidade grande, sem saber o que era ser do interior ou ter as mãos frias. Seu casaco de inverno mesmo que no verão, minhas regatas de verão mesmo que na primavera. Você, um friorento a implicar com todos os ventos, mesmo os que muito discretamente tentavam achar uma frestinha. Eu e um calor enorme que habitava dentro de mim.

E eu te olhava. E será que você acreditava em Deus? E eu te pensava. E será que você sabia de todas as recordações que contava? Será que era só fechar os olhos e ver tudo de novo? E como era sentir saudade de alguém, como era não ver a pessoa, como era querer que a pessoa pulasse de dentro dos pensamentos para o mundo e não conseguir?

E senti medo. Medo por mim e por você. Medo de você ir para a esquerda, e eu para a direita. Medo de você preferir ir para as rosas, e eu para a vida. Medo de você ir, e eu ficar. Medo. Era só fechar os olhos. E medo. Era só fluir as palavras. E medo. Era só um pensamento pensar. E medo. Houve época em que senti medo de tudo perto de você. Época em que cresci, e eu que, quando criança menor, achava que crescer era só esticar os braços, era só as pernas ficarem maiores, era só mais um giz marcado atrás da porta. Era só ficar maior que a sua bengala. Era só atingir o pote em cima da estante, poder descer as escadas sozinha e ir comprar o pão na esquina.

E, assim, mocinha que fui ficando mas para sempre sua menina, fui vendo as mãos do tempo fazendo coisas. Envelhecendo os móveis, baqueando as pernas, dando mais dor no frio, encurvando as costas, fazendo goteira no telhado, ressecando as rosas do jardim. E o vento que não pára. O tempo foi vindo sem respeitar as placas para parar nem os pedidos, nem as súplicas. Que passe mais rápido para mim e não para você, pedi. Eu uso as bengalas, eu uso os sapatos que não escorregam, eu encurvo as costas, mas nada. Eu ainda uma mocinha e você um senhor já há muitos janeiros por aqui. E vieram, então, os passarinhos que voavam à sua frente e te encantavam, mas levavam suas histórias, suas memórias, meu nome e o seu.

Uma hora, então, em um sábado de manhã, e era um sábado bonito com rosas e sol, você disse então que ia. Eu já havia lhe beijado na testa e disse para você ir. E nos despedimos assim. Sem mais delongas, que não somos disso. Sem choros exagerados, que não somos disso. E se me perguntam do que sou feita quando fico triste e confusa, digo que sou feita de você, uma menina feita de você.

Comentários

Gravata disse…
É muito muito muito lindo esse conto da sua amiga, Dri!

Muito! Eu me lembro do meu avô, e às vezes tenho certeza absoluta de que sou feito dele.

Em outras vezes, sobretudo quando erro, penso que não herdei tanta coisa assim do velho Fernando.
Anônimo disse…
nossa! que lindo...
Mariana disse…
Ah Dri, que lindo você ter postado minha crônica. Brigada, amiga. E agradeço também os elogios acima. Fico feliz. :)

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