O Fer tinha um blog. Aliás, o blog ainda está lá, o Fer é que se ausentou daquele espaço pra sempre. Uma pena.
O texto abaixo é de 2005, período em que ele se mudou para Goiânia e nós dois terminamos, o que acabou, tenho que admitir, sendo um excelente motor para a criatividade do meu atual marido.
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"Surfocado"
Fernando Lara
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Naquela noite eu estava muito triste. Mais do que nunca, precisava dos meus amigos pra beber até cinco horas da manhã e ouvi-los dizer tudo que os homens dizem quando estão bêbados e com raiva de suas mulheres.
O problema é que eu não conseguiria encontrar nenhum amigo num raio de 500 quilômetros e, como se não bastasse, estava morando em um hotel – o lugar mais impessoal que conseguiram inventar até hoje. Meu destino seria ficar no apartamento, sozinho, pelo resto daquela noite de sábado.
(...)
Pois bem... Ao passar pela varanda do quarto de hotel para regar minhas duas plantas, minhas amigas silenciosas e indiferentes ao meu estado, lembrei da piscina e julguei ser essa uma boa idéia. No entanto, preferi passar antes pela sauna, com medo de que a água da piscina estivesse fria e alimentasse meu já insuportável mau-humor.
Assim que abri a porta da sauna, fui recebido com um “oi” feminino muito simpático – mais do que simpático, sincero. Cabelo liso, esbelta, olhos pretos... Faltavam-lhe dois dentes de leite que, pelos meus cálculos, teriam caído uma semana antes, mas isso não foi problema naquela noite.Puxei conversa perguntando qual era seu nome. A resposta teve de ser repetida duas vezes para que pudesse entender a primeira das seis palavras que formavam o nome completo da minha companheira de sauna – Júlia.
Estranhei o fato de uma menina de 5 anos gostar de sauna a vapor, a mesma que espanta boa parte dos adultos por lhes causar dificuldade na respiração. Ela me explicou que gostava por ser “um lugar muito quentinho”, mas que tinha de pular na piscina de tempos em tempos porque ficava “um pouco surfocada”. Júlia me explicou também – olhando para sua pequena barriga – que a sauna ajudava as pessoas a emagrecer, mas que, desde a última vez que estivera lá, já havia “engordecido” um pouco.
Eu, que 5 minutos atrás julgava estar nas mulheres a explicação para todos os problemas do mundo, estava agora eternamente grato por conhecer aquela menina. A certa altura, Júlia se aproximou e pediu para ver meus olhos: “seu olho é verde com preto”. Não é. Ele é castanho-claro, mas preferi não lhe ensinar o termo correto porque “verde com preto” era muito mais legal.
O momento mais triste do nosso rápido encontro aconteceu quando minha pequena amiga informou que sairia da sauna em breve para ir ao “sorveteiro” com a família. Pensei em dissuadi-la da idéia, dizendo que sorvete faz muito mal para pessoas que acabaram de sair da sauna, ou até mesmo me oferecer para ir junto, mas imaginei que seus pais não fossem gostar da sugestão – ah, os adultos...
Júlia ainda me pediu para não sair da sauna, que estava indo à piscina para se refrescar e voltava já. Obedeci. Ela voltou depois de 3 minutos, vestida com um daqueles roupões que têm um irresistível capuz pontudo, mas que, naquele momento, simbolizava meu retorno à solidão e, por esse motivo, não era nada irresistível. Era feio.
Antes de sair, ela me explicou que sua família estava se mudando do flat no dia seguinte, mas que poderíamos nos ver na piscina, de manhã. Não era verdade. Eu sabia que ela estava tentando me consolar e como um bom adulto cético, tratei de me despedir para sempre. Essas coisas da vida são tristes; garanto que Júlia teria sido uma boa amiga.
Antes de fechar a porta, no entanto, Júlia colocou a cabeça dentro da sauna e desarmou por vez minha hostilidade com uma frase: “foi muito legal conhecer você”. Só tive tempo de sorrir e falar que eu também tinha achado legal conhecer a menina com nome grande e que gostava de sauna.
Ficou faltando agradecer e dizer que, naquela noite, ela havia sido minha piscina no momento que eu estava mais surfocado.
Comentários
Cris
Beijos com saudades,
Mari