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«De que é que estás a rir?»
«Descobri o que tu és para mim.»
Ela fica à espera e ele deixa-a esperar. Sai da cama e vai buscar um maço de cigarros. Dá um à Zana e acende-lho, sem tirar nenhum para ele.
Ela estende-se em cima da cama e ele, que estava nu, mete-se outra vez entre os lençóis.
«Às vezes», diz ele, «quando jogo poker tenho a intuição de guardar uma só carta e pedir quatro. Mesmo que as cinco recebidas sejam uma hipótese de sequência ou full-hand, ou isso.»
«E então?»
Ele ri-se novamente.
«Tu és essa única carta que eu guardo. Contra toda a lógica do jogo.»
Ela vira-se na cama para o olhar de frente. O decote do roupão mostra-lhe o seio direito, porque Zana está inteiramente nua debaixo do roupão. Nos olhos dela acontece o mesmo milagre que da outra vez: vê-los é como se alguém, espreitando do alto da torre de saltos de uma piscina, descobre de repente e estupefacto que esta não tem água no seu fundo. Quem se atirar de cabeça descerá como um raio até ao centro da Terra.

Nuno Bragança em "A Noite e o Riso"

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Lo que me gusta de tu cuerpo es el sexo. Lo que me gusta de tu sexo es la boca. Lo que me gusta de tu boca es la lengua.  Lo que me gusta de tu lengua es la palabra. (Julio Cortázar)
‎"[...] ousei escrever, em algum lugar, 'Freud e eu'. [...] Por que haveria algo de escandaloso, por parte de alguém que passou a vida inteira ocupado com a contribuição de Freud, em dizer 'Freud e eu'?". Lacan, "Seminário 16".
Ambiciosa Florbela Espanca Para aqueles fantasmas que passaram, Vagabundos a quem jurei amar, Nunca os meus braços lânguidos traçaram O voo dum gesto para os alcançar ... Se as minhas mãos em garra se cravaram Sobre um amor em sangue a palpitar ... - Quantas panteras bárbaras mataram Só pelo raro gosto de matar ! Minh’ alma é como a pedra funerária Erguida na montanha solitária Interrogando a vibração dos céus ! O amor dum homem ? - Terra tão pisada, Gota de chuva ao vento baloiçada ... Um homem ? - Quando eu sonho o amor de um Deus ! ...