Saudadezinha
Tati Bernardi
Ainda que eu esteja numa fase bacana e sem nós no peito (o que por um lado é ruim pois a paz sempre me dá alguns quilinhos a mais e alguns textos a menos), resolvi embarcar num momento nostalgia.
Não sei se foi o clima de Natal ou de Ano Novo. Não sei se é porque agora, nesse exato momento, estou ouvindo “I know it’s over”, do Smiths, e tomando uma taça de vinho. Só sei que a noite está pedindo e resolvi fazer uma sessão nostalgia.
Acho normal. Acho perfeitamente normal lembrar com carinho que você sempre dava um jeito de me mandar mensagens em datas festivas. Estivesse você casado ou namorando ou ilhado num templo budista, dava um jeito. Era como se dissesse, sem dizer “eu sei que já faz tempo, mas ainda amo você”.
Também me faz bem lembrar que você nunca, nunca, nunca se alterava. Trouxesse o garçom o pedido errado pela terceira vez ou fizesse um playboy qualquer uma tremenda barbeiragem em cima do seu carro. Você nunca estragava nossas noites. Eram tão raros os nossos momentos, você dizia, que eram para ser sempre bons. E de fato sempre eram.
Eu tenho saudade de mil coisas e todas essas mil coisas sempre caem na mesma única coisa de que eu tenho tanta saudade: sua leveza. Você me dizia que jamais iria me cobrar leveza, pois me amava intensa. E me pedia que fizesse exatamente o mesmo, ainda que ao contrário, por você. E eu não obedecia nunca, afinal, pessoas intensas não obedecem.
E assim nós seguimos, por alguns bons anos entrecortados, sendo tão parecidos ainda que tão atraídos mutuamente pelos nossos opostos. A gente era parecido principalmente porque topava as coisas mais malucas como, por exemplo, brincar que tinha acabado de se conhecer numa festa, ainda que tivesse ido junto para a festa. E por horas ficávamos nessa bobeira e nenhum dos dois ria. Até que alguém pedia, cansado, “já pode voltar ao normal? É que está me dando vontade de transar e eu não transo com desconhecidos”.
Eu tenho saudades de tudo. Da gente acordar sua vizinha de tanto rir de coisas bestas, do seu carro sempre bagunçado, da paciência que você tinha com meus quase quinze anos a menos, da mania que você tinha de arrumar minhas roupas em cima da cama enquanto eu tomava banho e de quando você apertava os ossinhos das minhas costas no escuro e falava, baixinho: “ai, como essa menina gosta de fazer drama!”.
Não é um sentimento egoísta e muito menos possessivo. É apenas uma saudadezinha. Gostosa, tranqüila, bonita, saudável, de longe. E, quem diria: leve.
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