O risco da meia da moça
Inácio de Loyola Brandão
Cedo ainda, pai e filha entraram na lanchonete deserta. O homem escolheu a mesa no canto, junto à janela. Magro, óculos de lentes espessas, parecia cansado. Indagou da menina:
- O que você quer?
- Chocolate.
- E para comer?
- Pão de queijo. E o senhor?
- Acho que nada.
Enquanto ela comia com lentidão, o pai olhava atento, como que preocupado.
Havia um breve brilho de alegria nos olhos dele, talvez contentamento por estar com ela. No entanto, não parecia muito à vontade. A manhã de maio era límpida, fresca.
(...)
Inácio de Loyola Brandão
Cedo ainda, pai e filha entraram na lanchonete deserta. O homem escolheu a mesa no canto, junto à janela. Magro, óculos de lentes espessas, parecia cansado. Indagou da menina:
- O que você quer?
- Chocolate.
- E para comer?
- Pão de queijo. E o senhor?
- Acho que nada.
Enquanto ela comia com lentidão, o pai olhava atento, como que preocupado.
Havia um breve brilho de alegria nos olhos dele, talvez contentamento por estar com ela. No entanto, não parecia muito à vontade. A manhã de maio era límpida, fresca.
(...)
Ela tomou mais um pouco do chocolate, fazendo barulho com a boca.
- Não faça isso, é feio. Coisa de gente mal-educada.
- Sou bem-educada?
- Ao menos, tenho tentado.
Ele viu que o pão de queijo tinha sido devorado. Talvez a menina quisesse outro. Virou-se um pouco, tirou umas moedas do bolso, contou.
- Quer outro pão de queijo?
- Posso?
- Por que não?
- Outro dia, na padaria, comi um pão na chapa e você não comeu nada, estava sem dinheiro. Você tem dinheiro, pai?
- Pode comer outro. Sossegada.
Desta vez, ele pediu um pão de queijo com recheio, ela mordeu, o requeijão escorreu. Ela riu, os dois riram.
- Surpresa, pai! Que delícia! Quer provar?
Os olhos dele indicavam que sim, ele disse não.
(...)
- Não faça isso, é feio. Coisa de gente mal-educada.
- Sou bem-educada?
- Ao menos, tenho tentado.
Ele viu que o pão de queijo tinha sido devorado. Talvez a menina quisesse outro. Virou-se um pouco, tirou umas moedas do bolso, contou.
- Quer outro pão de queijo?
- Posso?
- Por que não?
- Outro dia, na padaria, comi um pão na chapa e você não comeu nada, estava sem dinheiro. Você tem dinheiro, pai?
- Pode comer outro. Sossegada.
Desta vez, ele pediu um pão de queijo com recheio, ela mordeu, o requeijão escorreu. Ela riu, os dois riram.
- Surpresa, pai! Que delícia! Quer provar?
Os olhos dele indicavam que sim, ele disse não.
(...)
A menina não prestou atenção, estava olhando uma mulher que tinha entrado, morena, muito bonita.
- Viu a meia dela, pai?
- Não. O que tem?
- É moderna, tem um risco no meio, atrás. Você me compra uma?
- No seu aniversário.
- Vou ficar maravilhosa como aquela mulher?
- Vai.
- Por que não olha para ela, pai?
- Já olhei. Uma mulher dessas é um sonho, filha.
- Sonhos não acontecem?
- Depende da gente.
- Depende...o que é depende?
O pão de queijo se acabava, ela queria desfrutar ao máximo. Ao terminar, ficou olhando pela janela. O salão de festas da lanchonete estava bem à frente, todo colorido.
- O que é aquilo?
- Para festas de aniversário.
- Vamos fazer a minha ali?
- O seu aniversário demora.
- Mas vamos fazer?
Ele pareceu indeciso entre dizer não e desiludir e dizer sim, ela esperar e ele não poder cumprir.
- Depende...
- Depende, quer dizer coisa ruim, não é?
- Vou tentar tudo. Agora, vamos embora.
Eles se levantaram, o homem começou a apanhar a bandeja.
- O que está fazendo pai?
- Limpando a mesa, é costume.
- Eles não têm empregados?
O homem não soube responder. Apanhou tudo e levou ao lixo, em cuja tampa estava escrito obrigado. A menina deu a mão ao homem, caminharam para a saída. Na calçada, ela se voltou para ele:
- Não sabemos muita coisa, não é pai? Ou o senhor não gosta de responder perguntas?
- Um dia saberemos.
- Saberemos? E se a mulher olhasse para você, pai?
O homem não respondeu, mas sabia que carregaria dentro dele, quem sabe para sempre, o belo rosto da mulher, já que não tinha visto o risco da meia.
- Viu a meia dela, pai?
- Não. O que tem?
- É moderna, tem um risco no meio, atrás. Você me compra uma?
- No seu aniversário.
- Vou ficar maravilhosa como aquela mulher?
- Vai.
- Por que não olha para ela, pai?
- Já olhei. Uma mulher dessas é um sonho, filha.
- Sonhos não acontecem?
- Depende da gente.
- Depende...o que é depende?
O pão de queijo se acabava, ela queria desfrutar ao máximo. Ao terminar, ficou olhando pela janela. O salão de festas da lanchonete estava bem à frente, todo colorido.
- O que é aquilo?
- Para festas de aniversário.
- Vamos fazer a minha ali?
- O seu aniversário demora.
- Mas vamos fazer?
Ele pareceu indeciso entre dizer não e desiludir e dizer sim, ela esperar e ele não poder cumprir.
- Depende...
- Depende, quer dizer coisa ruim, não é?
- Vou tentar tudo. Agora, vamos embora.
Eles se levantaram, o homem começou a apanhar a bandeja.
- O que está fazendo pai?
- Limpando a mesa, é costume.
- Eles não têm empregados?
O homem não soube responder. Apanhou tudo e levou ao lixo, em cuja tampa estava escrito obrigado. A menina deu a mão ao homem, caminharam para a saída. Na calçada, ela se voltou para ele:
- Não sabemos muita coisa, não é pai? Ou o senhor não gosta de responder perguntas?
- Um dia saberemos.
- Saberemos? E se a mulher olhasse para você, pai?
O homem não respondeu, mas sabia que carregaria dentro dele, quem sabe para sempre, o belo rosto da mulher, já que não tinha visto o risco da meia.
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