Pular para o conteúdo principal

Apesar de tudo
Martha Medeiros

Apesar de tudo, continuamos amando, e este "apesar de tudo" cobre o infinito. Esta frase do filósofo Cioran expressa a extensão dos nossos obstáculos amorosos.
Apesar de termos acreditado na eternidade dos nossos sentimentos e depois descobrirmos que nada mantém-se estável por muito tempo, continuamos amando.
Apesar de termos sofrido noites inteiras por amores que não se concretizaram ou que foram vagos ou pueris, continuamos amando.
Apesar de termos sido rejeitados, apesar de o nosso amor não ter sido suficiente para encantar o outro e fazê-lo permanecer ao nosso lado, continuamos amando.
Apesar de todos os livros escritos, todas as sentenças filosóficas, todas as análises terapêuticas e todos os exemplos de paixões falidas, continuamos amando.
Apesar de não termos mais 15 anos e estarmos numa idade em que os outros acreditam que o nosso coração envelheceu, continuamos amando.
Apesar de a pessoa que a gente ama sentir por nós um amor de amigo apenas, um amor fraterno, um amor camarada que nada faz lembrar o amor ardente que a gente deseja e sonha, continuamos amando.
Apesar de a gente saber que o amor acaba, que o amor talvez nem seja pelo outro, mas apenas uma projeção do amor que a gente tem por nós mesmos, continuamos amando.
Apesar da falta de grana, das desilusões com a política, do cansaço no final do dia, dos projetos que não foram adiante, do tempo que nos falta e do medo que nos sobra, continuamos amando.
Apesar da chuva que não permite o passeio de mãos dadas, do espaço compartilhado que não permite privacidade, da desaprovação dos que nada têm a ver com o assunto, continuamos amando.
Apesar de ele ser casado, de ela ser mais velha, de ele ser humilde ou de ela ser estrangeira, continuamos amando.
Infinitamente, apesar de tudo e todos e apesar de nós mesmos.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

"Porque a cabeça da gente é uma só, e as coisas que há e que estão para haver são demais de muitas, muito maiores diferentes, e a gente tem de necessitar de aumentar a cabeça, para o total". Tem Lacan pra estudar, mas G. Rosa não tá deixando.
"[...] Tio Terêz o levara à beira da mata, ia tirar taquaras. [...]  - Miguilim, este feixinho está muito pesado para você?.  - Tio Terêz, está não. Se a gente puder ir devagarinho como precisa, e ninguém não gritar com a gente para ir depressa demais, então eu acho que nunca que é pesado". Guimarães Rosa, "Manuelzão e Miguilim".