C anção do berço   Carlos Drummond de Andrade   O amor não tem importância.   No tempo de você, criança,   uma simples gota de óleo   povoará o mundo por inoculação,   e o espasmo   (longo demais para ser feliz)   não mais dissolverá as nossas carnes.      Mas também a carne não tem importância.   E doer, gozar, o próprio cântico afinal é indiferente.   Quinhentos mil chineses mortos,   trezentos corpos de namorados sobre a via férrea   e o trem que passa, como um discurso, irreparável:   tudo acontece, menina,   e não é importante, menina,   e nada fica nos teus olhos.      Também a vida é sem importância.   Os homens não me repetem   nem me prolongo até eles.   A vida é tênue, tênue.   O grito mais alto ainda é suspiro,   os oceanos calaram-se há muito.   Em tua boca, menina,   ficou o gosto do leite?   ficará o gosto de álcool?      Os beijos não são importantes.   No teu tempo nem haverá beijos.   Os lábios serão metálicos,   civil, e mais nada, será o amor   dos indivíduos perdido...